Consun publica resolução revogando títulos honoris causa de ex-presidentes

Foi publicada, nesta terça-feira (23), a resolução nº 171/2022 do Conselho Universitário da UFRGS (Consun) revogando os títulos honoris causa dos ex-presidentes Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici, executores da ditadura civil-militar do Brasil. A proposição foi encaminhada em janeiro pelo Coletivo Memória e Luta, com o apoio de docentes que sofreram expurgos e perseguições nos anos 1960 e 1970 e de dezenas de organizações, como forma de reparação histórica e defesa da democracia. A revogação foi aprovada pela ampla maioria do Conselho Universitário na sexta-feira (19), dia do historiador, em uma sessão que durou mais de 6 horas.

“Revogar os títulos é reparar danos e devolver a dignidade às pessoas que sofreram com os crimes cometidos no período da ditadura; é fazer justiça a todos e todas que sofreram direta ou indiretamente os crimes perpetrados naquele período. É preciso lembrar, conforme o Estatuto e Regimento da UFRGS, que os títulos honoríficos são concedidos a pessoas que têm uma atuação de destaque, que contribuem para a sociedade, para a universidade, para o desenvolvimento das ciências, das letras e das artes. Este não é, de forma alguma, o caso dos dois generais-ditadores”, destaca a professora Cleci Regina Bevilacqua, que integra o coletivo.

A democracia que faltou nos anos 1960

Foram 48 votos favoráveis, com apenas uma abstenção e um voto contrário à revogação. Apenas um conselheiro manifestou-se contra a cassação dos títulos honoríficos, o autor do parecer de vistas.
A conselheira Rúbia Vogt destacou a pluralidade e a democracia que caracterizam a universidade e o debate no Conselho Universitário.

“O parecer de vistas é um dos vários mecanismos dos quais dispomos nesse Conselho para dar espaço ao contraditório, à diferença, ao dissemelhante. Esse espaço só é possível porque foi arduamente construído por pessoas no passado, e, com luta no presente, mantemos a UFRGS como uma instituição democrática. E uma instituição democrática só é possível porque tivemos pessoas que lutaram pela democracia em nosso país, as quais foram expurgadas, torturadas, presas, exiladas, mortas e muitas ainda hoje seguem desaparecidas”, analisou a conselheira Rúbia Vogt durante a sessão do Consun. “Amanhã vai ser outro dia, e esse outro dia, na UFRGS, é hoje: revogação já”.

Momento histórico

A retirada dos títulos é uma recomendação do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, publicado em 2014, e indicação   do Ministério Público Federal (MPF) em sua Recomendação PRDC/PR/RS Nº 1/2022. Mais de 10 mil pessoas apoiaram a causa através de abaixo-assinado.

“Foi um momento ímpar e histórico para o Consun e para a UFRGS. Mostramos que não se pode aceitar nem ser coniventes com aqueles que cometeram tantos crimes, que tolheram a liberdade de expressão e de ação e, muito menos, em atribuir-lhes honrarias”, pondera Cleci, antecipando que a decisão, juntamente com revogações anteriores pela UFRJ (Jarbas Passarinho) e pela Unicamp (Médici), deve encorajar outras universidades a condutas semelhantes.

“Quando se revoga uma homenagem a um agente público que violou direitos básicos e praticou crimes estamos tratando da sua condição enquanto agente público que usou do poder de forma indevida”, acrescenta a professora Natália Natalia Pietra Méndez, do Departamento de História, que representou a comissão especial paritária na sessão do Conselho.

“Manter a distinção tendo conhecimento do que aconteceu e da participação dos agraciados em fatos deploráveis dentro dos seus mandatos é concordar e assentir esses atos. É assim que se apaga com a memória histórica e se repete os mesmos erros”, complementa o professor João Henrique Correa Kanan, signatário da solicitação da revogação.

Reparação

A proposição de revogação foi fundamentada em Dossiê coordenado pelo professor Enrique Serra Padrós, do Departamento de História da UFRGS, falecido em dezembro de 2021. O documento apresenta um conjunto substancial de subsídios históricos da atividade e responsabilidade de Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici nas práticas antidemocráticas e de Terrorismo de Estado no Brasil.
“É um olhar para nós mesmos, para que conheçamos de forma mais profunda o que aconteceu na universidade e compreendamos, de forma mais clara e consciente, esses fatos”, pondera Cleci. “É, e continuará sendo pelas atividades propostas pelo Coletivo Memória e Luta”, finaliza a professora.