Os Conselhos da Faculdade de Educação (Faced), do Instituto de Psicologia e do Instituto de Letras da UFRGS, representando suas comunidades acadêmicas, emitiram documentos avaliando a proposta de implementação do Ensino Remoto Emergencial (ERE) encaminhada pela Pró-Reitoria de Graduação (Prograd). É unânime entre essas unidades a preocupação com o aumento das desigualdades sociais em um momento em que alunos beneficiários de ações afirmativas e de baixa renda estão ainda mais vulneráveis às consequências econômicas e sociais da pandemia, assim como com a falta de orientações claras e objetivas aos docentes quanto à adaptação ao sistema virtual.
O plano do ERE encaminhado ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) no dia 8 de junho prevê o início das atividades virtuais de ensino para 22 de julho.
Prejuízos ao ensino e ao trabalho docente
O Conselho do Instituto de Letras adverte que é pouco tempo para a revisão dos planos de ensino e aprovação nas instâncias devidas. “Com isso, professores regentes, departamentos e comissões de graduação não terão condições de garantir a qualidade das tarefas adaptadas ao ensino remoto e poderão incorrer em erros graves em sua formulação, o que provocará imensas dificuldades para os técnicos e docentes envolvidos nas tarefas burocráticas exigidas”, alerta documento do órgão, produzido no dia 16 de junho e encaminhado ao reitor e presidente do Cepe, Rui Oppermann.
Outro ponto criticado é a não especificação dos objetivos acadêmicos na proposta, além da ausência de subsídios concretos para que docentes e alunos possam se adaptar à realidade que tal mudança acarreta, e de capacitação de professores, monitores e estagiários discentes para uso das diferentes plataformas disponíveis. “Nesse sentido, a proposta parece deixar a critério dos próprios departamentos e docentes a tarefa de adaptar os conteúdos às heterogêneas condições da comunidade acadêmica, sem considerar os danos que essa prática gerará para a garantia da excelência no ensino e para a formação dos estudantes”, aponta o Conselho da Unidade.
O Conselho do Instituto de Psicologia aponta, ainda, que a proposta da PROGRAD “responsabiliza os docentes pelo cuidado envolvendo os direitos autorais, direitos de imagem e de copyright dos materiais a serem descritos e utilizados no plano de ensino adaptado, quando deveria tratar sobre as condições de acesso aos materiais didático-pedagógicos para as/os docentes prepararem e lecionarem as aulas”. O documento foi aprovado na segunda (22).
Desigualdades sociais desconsideradas
Mas a maior preocupação está na disparidade no acesso às tecnologias de informação e comunicação, levando em consideração também os impactos já existentes nas rotinas em função do isolamento social.
“A luta pela democracia, tão cara à Universidade pelas ameaças intervencionistas que se colocam no horizonte, implica o compromisso ético-político no qual ninguém pode ser deixado para trás”, previne o Consuni do Instituto de Psicologia, acrescentando que não se pode reproduzir o cenário de indiferença e de descaso do contexto social e político brasileiro. “Institucionalizar algo sem olhar para a especificidade na totalidade é reafirmar um saber que reproduz a estrutura elitista, classista, excludente e racista, que impede que pessoas negras, indígenas, brancas pobres e pessoas com deficiência acessem em condições de igualdade o que as pessoas brancas privilegiadas acessam”, pondera o Conselho, opinando que “a explicitação das escolhas feitas/preteridas num momento de pandemia como este é requisito para a transparência da gestão de uma Universidade que se identifica como democrática, plural e inovadora.”
“A ausência de uma previsão, por parte da Reitoria, de um plano para mitigar a falta de isonomia que a epidemia por si só provoca, agravada pela carência sistêmica de inclusão social e digital de parte considerável do corpo discente, expõe a precariedade da proposta, que tende a malograr em função desses obstáculos”, pondera o Conselho do Instituto de Letras.
O órgão lembra que, de acordo com levantamento realizado pela própria Prograd na Unidade, mais de 50% dos estudantes consultados alegaram não ter acesso a dados móveis compatíveis com as exigências das tarefas remotas, sendo que 26% afirmam não ter acesso algum a esse tipo de conectividade, enquanto mais de 15% afirmam não dispor de notebook e mais de 65%, de desktop, obrigando uma parcela significativa do corpo discente a acompanhar os cursos única e exclusivamente através de smartphones. “Soma-se a isso o fato de muitos alunos de nossa Unidade não terem respondido ao questionário, impossibilitando-nos saber a real situação de todo nosso corpo discente”.
“É notório que há um contingente considerável de estudantes sem condições materiais objetivas e subjetivas de continuidade de formação de graduação de forma remota, visto que 53,9% das/os estudantes não responderam o questionário enviado pela Prograd para sondar as condições de acesso e adesão ao ERE”, avalia o Conselho da Faced (Confaced), acrescentando que “pensar uma Universidade inclusiva e inovadora representa pensar alternativas que priorizem a vida a partir da coerência entre o que se propõe e as decisões que se toma”.
A proposta da Prograd não trata da inclusão de estudantes e professores que não dispõem de equipamentos ou conexão eficientes para o acompanhamento das atividades remotas. Esse tema ficou a cargo da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), que lançou no dia 19 de junho edital emergencial para auxílio financeiro dirigido aos alunos participantes do Programa de Benefícios da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE). O edital prevê, para esses alunos, a aquisição de dispositivo eletrônico com funcionalidades de computador pessoal (tablet ou assemelhados) no valor de R$ 360,00. O benefício oferecido está abaixo da média de mercado desse tipo de equipamento, o que pode dificultar a inserção de alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica no ERE. Também está previsto, para os beneficiários PRAE, auxílio Inclusão Digital, no valor de R$ 70,00 mensais, para viabilizar acesso à internet.
Insegurança quanto à adaptação
Entre docentes consultados em enquete conduzida pelo Instituto de Letras, 71% afirmam que nunca ministraram cursos completos por meio do ensino a distância, e apenas 35% dizem se sentir seguros para ministrar aulas por meio de recursos tecnológicos – o que pode ter sérias implicações pedagógicas. Além disso, 31% asseguram que necessitarão de algum tipo de auxílio, sendo que 66% precisam de monitores. “Põe-se em questão, portanto, se o modelo, brevemente discutido na comunidade acadêmica e pouco respaldado em qualquer experiência pregressa ou mesmo em parâmetros pedagógicos reconhecidos pela comunidade científica, é o mais adequado para atender os princípios norteadores da formação acadêmica e profissional, especialmente em um cenário de incerteza quanto à duração da pandemia e quanto à retomada das condições plenas para o ensino presencial”.
Do mesmo modo, a proposta prevê o cancelamento de disciplinas, que deverão ser oferecidas no semestre seguinte, mas não esclarece como essa oferta será equacionada com as disciplinas vigentes no período 2020/2. “Em princípio, haveria um acúmulo de ofertas de disciplinas, gerando um problema de carga horária tanto para docentes como para discentes e que se prolongaria em semestres vindouros”, manifesta o Conselho do Instituto de Letras, ponderando que, visto que as disciplinas objetivam atender um conjunto de princípios estabelecidos no Plano Pedagógico dos Cursos, “seu cancelamento teria que ser planejado de forma conjunta entre Departamentos e Comissões de Graduação, de modo a evitar prejuízos ao processo de aprendizagem dos alunos”.
Em meio a tantas dúvidas e incertezas em relação ao formato sugerido pela Prograd, o Conselho da FACED, reunido em 3 de junho, solicita que a administração central da UFRGS defina diretrizes orientadoras a toda comunidade acadêmica, “primando pelo atendimento e inclusão de todos, pois a ausência deste posicionamento promove instabilidade e insegurança”, e que as Comissões de Graduação não façam deliberações antes disso.
“É imprescindível o diálogo, consultando toda a comunidade de estudantes, técnicos e docentes, através de estratégias que garantem a livre expressão e os direitos de acesso, permanência e aprendizagem de todos os estudantes”, conclui. Nova reunião do Confaced ocorre nesta quinta-feira.
Direitos de docentes e discentes
Aos discentes, não pode ser oferecida apenas a possibilidade de cancelar matrículas, aponta o Conselho do Instituto de Psicologia. É preciso que os discentes participem da construção das alternativas para o ensino no contexto da pandemia. Além disso, o Conselho aponta a necessidade da “concordância expressa de todas/os as/os estudantes devidamente matriculadas/os nas disciplinas oferecidas no período letivo de 2020/1 para que estas possam funcionar na modalidade ERE”.
Para os docentes, o Conselho do IP reivindica que “recebam formação técnica e pedagógica para o uso das ferramentas disponibilizadas pela Universidade para o ERE” e que “as/os docentes que não tiverem condições de desenvolver atividades de ensino remoto (ERE) sejam respeitadas/os, sem prejuízo das demais atribuições na Universidade”.