Em função dos diversos problemas identificados por docentes, técnicos-administrativos e discentes na proposta de Ensino Remoto Emergencial (ERE) apresentada pela Pró-Reitoria de Graduação da UFRGS (Prograd) ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), conselheiros dos três segmentos pediram vista ao processo, na última sessão do Cepe. Como alternativa ao parecer da Comissão de Diretrizes do CEPE, que incluiu pequenas alterações no texto da Prograd, um outro parecer foi desenvolvido com base em contribuições de Departamentos, Comissões de Graduação (Comgrads) e Conselhos de Unidade. O documento é assinado por dez conselheiros, e conta com apoio de representantes de entidades representativas de todas as esferas da comunidade acadêmica.
Antecedentes do parecer
O processo com parecer da Comissão de Diretrizes do Cepe sobre o ERE foi disponibilizado para os conselheiros com 48 horas de antecedência. Os estudantes receberam a convocação com apenas 24 horas, conforme relatado em matéria no Boletim InformANDES. “Pedimos que a Sessão fosse adiada, por várias razões: os estudantes receberam a convocação com menos de 48 horas de antecedência, o que é regimentalmente impróprio; e também por conta dos eventos climáticos, nós não sabíamos se teríamos condições de realizar a Sessão, que é online, tendo em vista a previsão climática”, apontou a conselheira Aline Cunha, professora da Faculdade de Educação.
A Procuradoria Federal afirmou que, como havia previsão regimental de realizar a sessão faltando até um terço dos conselheiros, a ausência dos estudantes não inviabilizaria a reunião. O elemento moral de realizar uma sessão do Cepe que trataria de assunto de interesse dos estudantes sem que eles pudessem estar presentes não foi tratado pela Procuradoria. Iniciada a sessão, sua continuidade foi aprovada por 24 votos, com 21 votos contrários.
O conselheiro Leonardo Silvestrin, representante discente no Cepe destaca que “existe um grande movimento nacional contra a implementação do Ensino Remoto Emergencial. Aqui na UFRGS, o movimento universitário tem denunciado há tempos que esse projeto significa precarização da educação, piora das condições de trabalho dos servidores e piora nas condições de estudo dos estudantes da UFRGS. Uma série de conselheiros pediram vistas do parecer do ERE quando ele chegou ao Cepe, por entender que alguma coisa deveria ser feita nesse processo, que contou com muito pouca participação das e dos estudantes”.
Parecer é fruto da articulação da comunidade universitária
“O parecer de vista foi fundamentado em alguns documentos de departamentos, comissões e unidades, como do conselho de unidade da Faculdade de Psicologia, da Faculdade de Educação, da Comgrad da Geografia do Campus Litoral Norte, e também de coletivos como o das estudantes mães. Anexo ao nosso Parecer, elaboramos uma minuta baseada na da Prograd; fizemos alguns ajustes, reescrevendo os artigos desse Parecer para que ele pudesse contemplar contribuições dos docentes, discentes e técnicos. Tivemos poucos dias, mas conseguimos contemplar boa parte das contribuições que foram conversadas no Fórum das Comissões de Graduação”, apontou Sibila Binotto, conselheira do Cepe e representante dos técnicos administrativos em educação.
O parecer divergente apresentado pelos dez conselheiros defende um semestre que evite qualquer prejuízo a quem não conseguir acompanhar as atividades remotas, inclusive no ordenamento e no tempo para jubilamento e láurea. A sugestão é de que, durante o período de ERE, sejam ofertadas apenas atividades de ensino eletivas e/ou complementares – sendo as disciplinas obrigatórias ministradas apenas para alunos formandos.
Considerando que o uso das tecnologias de informação e comunicação é um acordo posterior ao ingresso dos estudantes nos cursos, devido à situação de emergência, o parecer propõe a inaplicabilidade do conceito D, de modo que os estudantes com frequência ou desempenho insatisfatório possam ser avaliados posteriormente, ficando registrado o conceito NI.
Também consta no parecer a possibilidade de oferta de disciplinas obrigatórias para estudantes que estão concluindo a graduação. Nesses casos, quando houver carga horária presencial indispensável, que seja minimizada, devendo seu desenvolvimento respeitar todas as condições de segurança, normas e protocolos estabelecidos pelo Comitê de Enfrentamento à Covid19-UFRGS.
Alterações no calendário
O calendário proposto no parecer de vista contempla prazos alargados para a organização das Comgrads e dos Departamentos para a organização de um novo elenco de disciplinas, para que os professores organizem novos planos de ensino e se reorganizem, e para que os estudantes possam efetivar inclusão e exclusão de matrículas.
“Que haja tempo para todos esses processos e também para que os professores organizem a proposta didático-pedagógica dessas disciplinas”, explica a conselheira Aline.
Proteção aos docentes
O parecer inclui também um pedido para que os órgãos competentes da Universidade orientem e assessorem juridicamente os docentes nos casos de uso indevido de imagem ou do material disponibilizado online. “Essa é uma preocupação dos professores em tempos de Escola sem Partido, gravar os vídeos das aulas e ter isso usado indevidamente”, explica Aline.
Avaliação permanente e paritária
“Das inclusões, fizemos uma definição do que é o ensino remoto emergencial (ERE) e o reforço de que ele é emergencial, ou seja, só pode ser oferecido durante o período de crise sanitária, e de que ele é passível de análise, para sua continuidade ou não, mesmo nesse período de crise sanitária”, afirma a professora Aline.
Para garantir que ninguém seja prejudicado e nenhum estudante fique para trás, o grupo de conselheiros propõe a criação de uma comissão paritária com discentes, professores e técnicos que realize o acompanhamento e avaliação do modelo a ser implementado. Na eventualidade de ser necessário planejar o oferecimento de ERE para o próximo semestre letivo, os conselheiros defendem a realização de uma consulta informal, regulamentada pelo Conselho Universitário (Consun), para que a comunidade universitária possa se posicionar a respeito da atual proposta de Ensino Remoto.
O conselheiro Leonardo afirma que “Continuaremos apontando as falhas nesse processo, que certamente virão e podem ser graves. Nosso parecer defende que o CONSUN realize uma consulta informal para saber a opinião da comunidade universitária a respeito do ERE. Vamos lutar para que isso seja cumprido, junto com o movimento estudantil e sindical da UFRGS”.
“Há esforços de algumas Comgrads no sentido de avaliar as condições dos estudantes (sobretudo fizeram questionários que em geral não atingiram 60% de estudantes respondentes). No entanto os estudos não avançaram no diálogo com os diferentes setores da universidade, sobretudo no que diz respeito às ações afirmativas e a assistência estudantil”, aponta o parecer, destacando a ausência de um trabalho institucional de reunião destes estudos.
“O questionário enviado pela Prograd não abrangia questões que tocam nas condições psicossociais e financeiras dos estudantes, assim como não há pesquisas sobre a saúde da comunidade”, alertam os conselheiros, acrescentando que, nas pesquisas realizadas pela Prograd, pelas Comgrads e Departamentos, assim como nos relatos colhidos pelo DCE, um número considerável de discentes e docentes informaram dificuldade de acesso à internet de qualidade, capaz de suportar aulas remotas ‘ao vivo’, além de dificuldade de concentração, com a qualidade necessária, no trabalho online em meio à pandemia e ao isolamento social.
“Alguns discentes e docentes relataram que têm fillhos/as (por vezes com aulas remotas em suas escolas) e idosos em casa que necessitam atenção, além do compartilhamento do uso do computador e da internet. Outros/as relataram não possuir computador em casa. Também houve debate a respeito da saúde mental e da dificuldade de concentração frente ao turbilhão de informações e cuidados que a nova rotina do isolamento social requer”, alerta o parecer, frisando também a importância de medidas específicas, garantindo que os prejuízos que possam decorrer da aplicação do ERE para as discentes mães, bem como os modos de repará-los, sejam previstos na resolução que define tal modalidade de ensino.
Para ler o parecer na íntegra, acesse aqui.
Avanços na discussão sobre o ERE
O ANDES/UFRGS já realizou duas rodas de conversa com docentes sobre o ERE e já manifestou críticas à maneira como a discussão vem acontecendo na UFRGS. O parecer divergente diminui os riscos de disparidade entre estudantes de condições socioeconômicas distintas e favorece a inclusão. Dentre outros avanços, o parecer estabelece também a contínua avaliação do ERE e a possibilidade de sua interrupção mesmo durante a crise sanitária, evitando que a precarização seja naturalizada como novo padrão de ensino na Universidade.