CONJUNTURA E A GREVE DOS DOCENTES DAS IFE
A crise econômica mundial que irrompeu em 2008 no centro do capitalismo, tem abalado todos os mercados financeiros. O impacto dessa crise no Brasil, foi escamoteado pelo governo Lula e continua sendo tratada pelo Governo Dilma como se estivéssemos isolados dos demais países em crise. No entanto, o Brasil é confrontado como parte da situação mundial, ainda que o governo, convenientemente, não expresse publicamente essa realidade.
Uma mostra dessa contradição está na instabilidade do mercado financeiro, que faz com que o governo brasileiro opte por medidas de preservação de um modelo que privilegia o capital financeiro em detrimento das áreas sociais. O corte no orçamento de mais de 60 bilhões de reais, atingiu diretamente áreas como a saúde, educação e previdência. É inadmissível que os efeitos desastrosos dessa política sejam utilizados agora como dificuldade para o atendimento das reivindicações dos professores. Essa crise que era considerada pelo governo como externa e privada, hoje se contorna como interna e pública. O objetivo maior do governo é seguir a política de superávit primário para pagar mensalmente 30 bilhões de reais de juros aos banqueiros e especuladores.
A política adotada pelo governo, diante da situação de crise que aprofunda a exploração do trabalho, tem reforçado a necessidade de luta contra o governo e os patrões da iniciativa privada, por parte de todos os setores da classe trabalhadora. Nos anos de 2009 e 2010, ocorreram 964 greves no país, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Os números são os maiores da última década.
A greve das Instituições Federais de Ensino se agrega a uma conjuntura de luta em nosso país, protagonizada pela classe trabalhadora. Dos operários dos canteiros de obras aos bombeiros; das salas de aula das redes estaduais às empresas de ônibus e às estações de trem e metrô; por vários espaços assistimos fortes lutas e greves. Esse processo mostra uma disposição para enfrentar a política governamental e os patrões. Não podemos pagar pelos efeitos da crise econômica.
Nesse contexto, a greve dos docentes das Instituições Federais de Educação eclodiu com grande força e, em poucos dias, já contava com a adesão de 48 instituições. É uma das maiores greves da categoria de docentes federais, nos últimos anos, expressando-se em massivos apoios e, se constrói em um momento histórico em que há uma insatisfação de outros setores da sociedade, a exemplo dos funcionários públicos federais que vêem, também, os seus direitos negados.
Trata-se de uma primeira greve nacional após a implantação do Programa de Reestruturação das Universidades (REUNI) por meio do Decreto nº 6.096/2007, que implementa uma falsa democratização no acesso. Um projeto que em médio prazo, destrói a qualidade da universidade pública, principalmente, porque, com o aumento do acesso de estudantes sem contrapartida de contratações de professores e técnicos, só fez crescer o déficit existente destes profissionais, além do que, os recursos destinados para a construção da estrutura física, não atenderam nem a quantidade, nem a qualidade das atividades acadêmicas.
A melhoria das condições de trabalho reivindicada pelos docentes está diretamente relacionada a uma crítica à concepção de educação e de universidade pública defendida pelo MEC que anda de mãos dadas com a privatização, a tecnocracia e meritocracia nas instituições, que transformou a função social da universidade para que ela exerça um papel de prestadora de serviços. Esse papel de universidade fere os princípios da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, transformando os docentes em meros reprodutores de conhecimentos e provoca, por meio da sobrecarga de trabalho, o esgotamento físico, mental e emocional. O REUNI fere frontalmente a construção de uma universidade pública, autônoma, democrática e referenciada socialmente.
A greve ganha força porque a luta pela qualidade da universidade está comprometida com a elaboração autônoma, da ciência e da tecnologia, das artes e da tecnologia, a serviço da transformação da sociedade.
Um outro dado importante do processo de indignação por que passam os docentes, está na manifestação de deflagração de greve de professores não filiados ao ANDES, que, se somam ao movimento nacional em defesa dos interesses da categoria. Afinal, há um reconhecimento público dessas bases de que a greve é necessária e justa.
A intensidade da greve docente nas universidades tem como força motriz a insatisfação pela sobrecarga de trabalho, as condições precarizadas onde esse trabalho é realizado e, a necessidade de reestruturação da carreira que valorize a docência.
A reestruturação da carreira que o MEC nos apresenta desde 2010 é mais uma peça do quebra cabeças da reestruturação do ensino superior no país, posto que, consolida elementos que destroem a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A diferenciação dos critérios de progressão para as diferentes classes – de auxiliar até adjunto e de adjunto para associado – e o aligeiramento da progressão a partir da intensificação do trabalho em sala de aula, provocará a cisão da categoria
docente em dois tipos: os dedicados à pesquisa e pós-graduação e os dedicados à graduação, incidindo diretamente na formação dos estudantes. Ao propor também a diferenciação entre a carreira do Magistério Superior e da Educação Básica, Técnica e Tecnológica, aprofunda a divisão do trabalho docente e estimula a discriminação entre atividades de mesma natureza.
A manutenção de uma remuneração composta de vencimento básico e gratificações, proposta pelo governo, somada à introdução de uma retribuição por projeto (RP) contribui para a competição individualista e a mercantilização do conhecimento e aprofunda a quebra da isonomia e paridade. Não se trata de uma mera mudança de carreira. Trata-se de um projeto político de educação que pretende
dar sustentabilidade a uma hegemonia burguesa do capital.
O governo, após assinar um acordo emergencial em agosto de 2011, que tem como um dos pontos o grupo de trabalho sobre reestruturação da carreira, não cumpriu os prazos estabelecidos e se manteve irredutível, reapresentando sempre sua proposta com pequenas alterações que não modificam sua concepção original, o que não poderia resultar senão em uma resposta forte por parte da categoria. A greve se constrói nesse contexto como a alternativa à altura da situação imposta aos docentes.
Na tentativa de desmobilizar a categoria, o governo editou a Medida Provisória nº 568/12, em substituição ao Projeto de Lei 2203/2011, onde consta a incorporação da GEMAS/GEBTT ao VB e o irrisório reposicionamento da tabela em 4% e, à revelia das negociações com os servidores públicos federais, propôs a redução dos valores pagos de insalubridade e periculosidade em valores nominais. Tal atitude serviu tão somente para aumentar a insatisfação da categoria fazendo com que a greve
avançasse com maior intensidade. Como se não bastasse, em entrevista coletiva veiculada em rede nacional, no dia 23 de maio de 2012, o Ministro da Educação, Aloízio Mercadante, agride ainda mais a categoria por meio de um discurso que tenta desqualificar o movimento grevista dos docentes, conclamando-os a retomar suas atividades devido, segundo o mesmo, à ausência de motivos para a greve dos professores.
O Ministro não explica como o governo que edita a Medida Provisória nº 568/12 é o mesmo governo que afirma que o Brasil está protegido com mais de trezentos bilhões de dólares acumulados, que propõe o aumento do consumo, a redução da taxa dos bancos e renúncia fiscal do IPI sobre os carros, destinando 2,1 bilhões de reais aos grandes empresários das multinacionais do setor. Também é
importante reconhecer que o gasto com pessoal no orçamento de 2012 segue estabilizado em torno de 4,3% do PIB, frente a um crescimento da receita em tributos federais de 24%,conforme a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para o ano de 2012. A arrecadação da receita governamental entre o período de janeiro a abril de 2012 foi de 352 bilhões de reais. A previsão de crescimento da receita é de 13%, porém os gastos com pessoal, conforme a mesma fonte, crescerá apenas 1,8% em valores nominais.
A suspensão sem explicações por parte do Ministério do Planejamento- MPOG, da reunião, marcada para o último dia 28 de maio com Grupo de Trabalho que discute Plano de Carreira, sem previsão de nova data, demonstrou que o governo não tinha proposta a apresentar.
Como resposta a esse descaso do governo, o movimento grevista respondeu de forma unificada com atos públicos em todo o país no dia 28 de maio, repercutindo na imprensa nacional, ampliando os canais de comunicação com a sociedade. Desde então, há uma visível intensificação da greve com o aumento do número de instituições aderindo ao movimento, inclusive a greve dos estudantes em quase todos os estados brasileiros.
O descaso e a falta de proposta por parte do governo foi reafirmado quando, no dia 31 de março, prazo máximo colocado pelo MPOG para reabrir as negociações, a reunião não aconteceu. Soma-se a isso, o tratamento dado pelo governo ao conjunto dos servidores públicos, que após oito reuniões realizadas, somente nesse ano, com o Fórum das 32 entidades representativas dos servidores públicos federais, não apresenta nenhuma resposta, insistindo que o prazo do governo será 31 de julho. Nessa reunião, que ocorreu no dia 01 de junho, o Comando Nacional de Greve do ANDES, sentou-se junto com as demais entidades que sinalizam para o dia 11 de junho uma greve do conjunto dos servidores públicos federais.
No dia 31 de maio o Senado aprovou o Projeto de Lei 2134/2012, que cria mais de 77 mil cargos e funções nas instituições federais, para serem preenchidos até o fim de 2014. Uma conquista do movimento docente, mesmo considerando que as vagas para o magistério superior, básico, técnico e tecnológico, além dos cargos de técnico administrativo, diretores e funções gratificadas, estão vinculadas em boa parte ao atendimento de novas demandas por meio do Reuni e do Pronatec.
No mesmo dia, uma manobra do Governo colocou em discussão com previsão de aprovação para o dia 05 de junho, a Medida Provisória 559/12 que permitiu a negociação de débitos de 500 universidades comunitárias que possuem dívidas tributárias e previdenciárias de mais de R$ 17 bilhões com o Governo. A proposta é a de que estas, pagariam apenas 10% desta, restando a outra parte da dívida a ser paga com bolsa de estudo. O objetivo é o de salvar o convênio dessas universidades com o
Prouni.
Estamos fortes, porque a luta nasce das bases insatisfeitas que estão suficientemente atentas para não cair nas armadilhas de discursos falaciosos, entre eles, destaca-se o papel dos discentes, que organizados, também entraram em greve em quase todo o país. Em 01 de junho, já existiam estudantes de 31 universidades públicas mobilizados, confirmando em assembleias nas suas instituições, a importância da luta em defesa de 10% do PIB para a educação, uma universidade de qualidade, em
que eles tenham acesso a uma formação voltada para o trabalho e, não meramente por emprego. Para isso, necessitam de currículos adequados, professores em condições de orientá-los, com tempo disponível para estudo, acesso a laboratórios; uma política de assistência estudantil que garanta acesso a restaurantes universitários, residência universitária, bibliotecas equipadas. Os estudantes, ao engrossarem o movimento paredista, têm consciência que a greve pode trazer prejuízos eventuais,
mas que prejuízos maiores ocorrerão se ficarem fingindo que a expansão da universidade é democrática e que garante direitos. Expansão sem qualidade é exclusão.
A greve docente tem conquistado espaços importantes de diálogo junto aos parlamentares, ao Conselho de Reitores de Instituições Federais de Educação Tecnológica (CONIF), da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições de Federais de Ensino Superior (ANDIFES), dos Conselhos Superiores das Universidades, de entidades internacionais, movimento sindical e entidades representativas da
sociedade civil, com o objetivo de pressionar o governo para a reabertura de negociações.
Há uma mobilização nacional dos demais Servidores Públicos Federais que poderá culminar em uma greve nacional a ser deflagrada a partir do dia 11 de junho. É necessário manter mobilizados a todos os que aderiram ao movimento, continuar crescendo e ampliar o debate político com toda a sociedade. Neste sentido, e considerando as reflexões explicitadas no presente texto, o CNG faz um chamado de
luta: VAMOS À MARCHA EM BRASILIA NO DIA 05 DE JUNHO DE 2012. MARCHAREMOS UNIFICADOS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO PÚBLICA E DA VALORIZAÇAO PROFISSIONAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS.
Brasília, 02 de junho de 2012