Comitê se organiza contra projetos de megamineração no RS

05 de agosto de 2019

Há pelo menos 150 projetos de mineração sendo traçados pelas grandes mineradoras para o Rio Grande do Sul (RS), tornando o estado um dos grandes focos da expansão do extrativismo no Brasil. As ameaças decorrentes deste plano – quatro projetos do tipo estão em fase de licenciamento –  vêm mobilizando não apenas as populações atingidas diretamente, movimentos sociais e entidades ambientalistas, como a comunidade acadêmica no Estado. Para resistir ao plano de exploração, que pode trazer graves danos socioambientais à região, foi lançado, em junho, o Comitê de Combate à Megamineração no RS, que reúne  ambientalistas, pesquisadores, agricultores familiares, assentados, ativistas, estudantes, professores e militantes que atuam em vários movimentos sociais e sindicatos – entre eles, o ANDES/UFRGS, a Adufpel, a Assufrgs e o coletivo Professores pela Democracia. A preocupação de lideranças políticas e de ambientalistas é que, assim como já ocorre em países como a China, esse tipo de atividade provoque danos irreversíveis ao meio ambiente e às áreas impactadas.

O projeto da Mina Guaíba, da empresa Copelmi, deve transformar a região no maior empreendimento de extração de carvão a céu aberto do mundo – com previsão de minerar mais de 166 milhões de toneladas. Os danos à qualidade do ar e da água, tanto para Guaíba quanto para Porto Alegre, Eldorado do Sul e Charqueadas, têm sido ressaltados pelas comunidades locais e pelo Comitê. Uma das batalhas travadas pelo Comitê é pressionar para que a Fepam realize uma audiência pública sobre o tema na capital, já que os impactos atingirão os porto-alegrenses com a contaminação do ar, da água e dos alimentos que são produzidos e consumidos na região, mas até agora não houve aceno da Fundação neste sentido.

Outras ameaças são as propostas de extração na região de Caçapava do Sul, onde as empresas Nexa e Iamgod pretendem explorar metais pesados; na de Lavras do Sul, com a mineração de fosfato; e em São José do Norte, onde também há a pretensão de extração de metais pesados pela Rio Grande Mineração. Nesta área, uma vitória foi a sanção, no dia 10 de maio, de uma lei que inclui no plano diretor do município a proibição de atividades mineradoras, garantindo uma conquista para o movimento popular que, desde 2017, vinha alertando sobre os potenciais danos para a agricultura e a pesca – atividades desenvolvidas por comunidades locais.

Consequências da megamineração

São inúmeras as consequências decorrentes da megamineração. Além do impacto ambiental, os projetos geralmente resultam na expulsão de comunidades dos seus territórios ou inviabilizam a manutenção de atividades de sustento, trazendo um dano social incalculável. No caso da Mina Guaíba, a Copelmi pretende se instalar em uma área de mais de 4 mil hectares, o que demandará a expulsão de 72 famílias de agricultores do assentamento Apolônio de Carvalho – segunda maior unidade produtora de arroz orgânico do Estado –, que abastece mais de 40 feiras orgânicas na Região Metropolitana de Porto Alegre. Serão atingidos, ainda, cerca de 80 famílias do Loteamento Guaíba City, de Charqueadas, comunidades indígenas guaranis e cerca de 2 mil pescadores das ilhas que compõem o Delta do Jacuí.

Já em Caçapava do Sul, a extração de chumbo, zinco e cobre está prevista para ser realizada a 800 metros do Rio Camaquã. A contaminação por metais pesados devastaria as atividades agropecuárias, que são a base de sustento das populações da região. Além disso, a área é a mais preservada do Bioma Pampa no RS, com espécies que só existem ali, e abriga um sítio de alta relevância geológica, integrando o patrimônio Geológico Brasileiro.

Em Lavras do Sul, a mineração de fosfato tem como propósito extrair o mineral para a produção de defensivos agrícolas e fertilizantes. Entre os danos, estão a inalação da poeira do fosfato – cuja extração seria a céu aberto –, que, de imediato, pode causar irritação no sistema respiratório. Além disso, conforme dados levantados pelo Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, uma barragem de rejeitos seria instalada em área equivalente a quase 300 estádios de futebol. Em caso de rompimento, haveria prejuízos a toda Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria. Outro potencial risco refere-se ao fato de que elevados níveis de radioatividade são encontrados em áreas de mineração, produção e de transporte de fertilizantes fosfatados, o que pode trazer danos à saúde tanto dos trabalhadores como da população local.

Resistência

Pela forma como os projetos estão sendo encaminhados, com ausência de debate junto às comunidades locais e negligência ao potencial devastador da atividade minerária, diversas entidades se mobilizam para resistir à megamineração. Nesta segunda (5), ocorre uma plenária aberta do Comitê contra a Megamineração no RS em Porto Alegre (RS), às 18h30, no Sindicato dos Bancários (rua General Câmara, 424 – Centro).

“A luta contra os projetos de megamineração avança no Estado, ganhando as ruas e mostrando que a sociedade gaúcha não quer ver o Rio Grande transformado em uma mina a céu aberto. É hora de ampliarmos nossa mobilização e para isso chamamos todas as entidades, movimentos sociais e ativistas que dizem sim à vida e não à destruição para vir debater e organizar as próximas ações do Comitê de Combate à Megamineração RS”, reforça o Comitê.

Na terça-feira (06), o Instituto Goethe e o Sul 21 promovem uma discussão sobre os impactos ambientais e sociais da mineração na metade Sul do estado na sede do Instituto (Rua 24 de Outubro, 112), às 19 horas. A atividade, com entrada franca, contará com as participações de Michele Ramos, do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Juliana Mazurana, assessora programática da área de justiça socioambiental da Fundação Luterana de Diaconia (FLD), e Tatiana Ribeiro, do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Comunidade universitária atenta

Além dos impactos socioambientais, outros temas associados aos projetos, que mobilizam diferentes áreas do conhecimento, vêm sendo debatidos no ambiente universitário, como segurança alimentar e nutricional, limites territoriais, sociais e ambientais.

O Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS organizou um encontro na terça-feira passada (30) para debater esses impactos à luz de um relato sobre comunidades afetadas pela mineração em Moçambique. Com o tema “Mineração e segurança alimentar nutricional: impactos e perspectivas em Moçambique e em Eldorado do Sul”, o debate, mediado pela professora Fabiana Thomé da Cruz, reuniu a professora Jaqueline Sgarbi dos Santos, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira (Unilab), o pesquisador Iporã Possantti, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), da UFRGS, e Michele Martins, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).

“A água é a primeira coisa que começa a faltar para essas comunidades”, destacou Michele Martins. De acordo com a pesquisadora, no Brasil, de 2001 a 2011, houve um crescimento de aproximadamente 550% da produção mineral, sendo a maior parte destinada à exportação. “Cerca de 52% de todo o minério de ferro extraído no Brasil neste período foi para a China. Quase todo o nosso minério acaba sendo exportado, o que que coloca em questão também o tema da soberania em relação aos nossos recursos naturais”, analisou.

Saiba mais sobre o debate aqui.