Retomado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na quarta-feira (15), o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365/SC, que trata da tese do marco temporal, foi suspenso novamente por pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes. Ainda não há previsão de data para retomada da sessão, na qual devem ser proferidos os nove votos restantes.
Esta foi a sexta sessão seguida em que a Corte debateu o tema desde que a análise do caso começou, em 26 de agosto. Os povos originários, que organizaram em Brasília um acampamento com mais de 6 mil indígenas de 22 a 28 de agosto, seguem mobilizados e acompanham o julgamento a partir de Brasília e dos territórios.
Direito originário
O Recurso discute um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) em face do povo Xokleng, reivindicando um território explorado por fazendeiros e madeireiros desde a década de 1960, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang.
Com status de “repercussão geral”, a decisão tomada neste julgamento será referência para todos os processos e projetos legislativos no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.
A teoria do indigenato é uma das teses que estão sendo discutidas no caso. Reafirmando os direitos reclamados pelos povos originários, a teoria considera que o direito indígena à terra é “originário”, ou seja, é anterior à constituição do próprio Estado brasileiro, independe de uma data específica de comprovação da posse da terra e mesmo do próprio procedimento administrativo de demarcação territorial.
Invasões legalizadas
A tese do marco temporal determina que os povos originários só teriam direito às terras ocupadas na data da promulgação da Constituição – 5 de outubro de 1988. Caso seja acolhida pelo STF, povos indígenas não poderão reivindicar a demarcação de territórios ocupados após 1988, ou que estivessem desocupados naquela data, independente do motivo.
O pedido de vistas foi feito após o ministro Kassio Nunes Marques apresentar voto favorável ao marco temporal, afirmando que resolveria conflitos ao “anistiar oficialmente esbulhos ancestrais”.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), “a frase reconhece a essência do marco temporal: legalizar as invasões e expulsões violentas de indígenas”.
Empate
Até o momento, a votação segue empatada, uma vez que o ministro Edson Fachin, relator da ação, já se manifestou contrário ao marco temporal, afirmando que sua existência seria o mesmo que fechar a porta aos indígenas “para o exercício completo e digno de todos os direitos inerentes à cidadania”. O ministro, que defendeu a teoria do Indigenato, reforçou que o direito indígena à terra é originário e fundamental.
PGR e ONU posicionam-se contra o marco temporal
“O Brasil não foi descoberto, o Brasil não tem 521 anos, não se pode invisibilizar os nossos ancestrais que nos legaram esse país”, afirmou o procurador-geral da República, Augusto Aras, no dia 2 de setembro.
Em uma contundente manifestação contra a tese ruralista, o procurador também defendeu o artigo 231 da Constituição Federal, que garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional.
“A aceitação de uma doutrina de marco temporal resultaria em uma negação significativa de justiça para muitos povos indígenas que buscam o reconhecimento de seus direitos tradicionais à terra. De acordo com a Constituição, os povos indígenas têm direito à posse permanente das terras que tradicionalmente ocupam”, acrescenta o relator da especial da ONU para os povos indígenas, Francisco Cali Tzay.
Luta pela Vida
Na maior mobilização indígena dos últimos 30 anos, mais de 6 mil pessoas, de 176 povos de todas as regiões do país, estiveram reunidos no acampamento “Luta pela Vida”, em Brasília, para acompanhar o julgamento e protestar contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional.
Como o julgamento foi prolongado, um grupo de 1.200 lideranças, de 150 povos, permaneceu mobilizado na capital federal, levando o acampamento para a Fundação Nacional de Artes (Funarte). O grupo ainda se juntou à II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, que reuniu mais de 5 mil guerreiras da ancestralidade, de 185 povos de todos os biomas, entre 7 e 11 de setembro, em Brasília.