Contra a inclusão, discurso do ministro da Educação explicita obscurantismo do governo Bolsonaro

Colecionando falas estapafúrdias desde que foi empossado, o quarto ministro da Educação do governo Bolsonaro, Milton Ribeiro, voltou a mostrar ignorância e despreparo alegando que crianças com deficiência atrapalhavam outros alunos em sala de aula. A declaração, alicerçada na nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE), foi feita durante o programa Sem Censura, da TV Brasil, no dia 9 de agosto.

“Do ponto de vista pedagógico, o discurso desconsidera todas as lutas e avanços que foram construídos com relação ao processo de democratização do ensino e do direito a escolarização das pessoas com deficiência nas escolas regulares brasileiras”, pontuam as professoras Tásia Fernanda Wisch, Mayara Costa da Silva e Carla Maciel da Silva, do Colégio de Aplicação da UFRGS (CAp).

De acordo com as docentes, a fala negligencia, ainda, a existência de diferentes tempos de aprendizagem e das formas de aprender, presentes no contexto escolar, que também constituem os processos inclusivos. “Nesse sentido, é preciso ressaltar que a inclusão escolar não beneficia apenas as pessoas com deficiência, mas sim a todos os envolvidos, na medida em que conviver com a diferença qualifica as relações sociais, o respeito à diversidade e os percursos de aprendizagem”.

Ignorância e desinformação

Além de reforçarem o obscurantismo do governo federal, as declarações de Ribeiro mostram total desconhecimento da área, ignorando que o acesso à educação seja previsto a todas e todos pela Constituição. “Para além de uma afirmação, o argumento capacitista retira estes sujeitos do lugar de estudantes e, mais que isso, de pessoas com direitos”, destacam as professoras, frisando que as afirmações ratificam “tudo o que este governo significa: o preconceito, a exclusão e o retrocesso, entre outras coisas”.

“Em nosso contexto de atuação, todos os estudantes aprendem uns com os outros. O que nos atrapalha é a falta de investimento e de recursos para qualificarmos ainda mais a escola pública e tudo o que é ofertado aos nossos estudantes”, explicam as educadoras, que vão além: “O que realmente atrapalha a escolarização dos nossos alunos são falas com o teor daquela evocada pelo senhor Ministro”.

Especial ou segregadora?

A nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE), instituída pelo Decreto 10.502 de 2020, foi elaborada pelos ministérios da Educação e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e decretada por Bolsonaro sem um amplo e necessário debate com entidades do setor e a sociedade. Propondo intensos retrocessos no que diz respeito a escolarização das pessoas com deficiência na escola regular, a norma teve seus efeitos suspensos pelo Supremo Tribunal federal (STF) pouco depois de promulgada, mas segue na mira do Planalto e terá o mérito julgado em breve.

Para o ANDES-SN, a PNEE não apenas segrega as crianças com deficiência, como viola a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI).

“A previsão de escolas especiais, voltadas apenas a alunos com deficiência, já é algo superado desde 2008 na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), que preconizava a matrícula em turmas regulares, com apoio complementar especializado dependendo de cada caso”, pontua o Sindicato Nacional, que participará, nesta terça-feira (24), de ato em Brasília em defesa da educação inclusiva, enquanto o assunto estará sendo debatido em audiência pública virtual do STF.

“Torna-se imperativo reconhecer que este ministro não fala por si só. Ele representa um contingente de pessoas que defendem a meritocracia, a escola (e Universidade) para poucos e o produtivismo neoliberal”, lembram as docentes do CAp.

Na segunda-feira (23), Ribeiro insistiu no teor preconceituoso em entrevista à rádio Jovem Pan. “Nós não queremos o inclusivismo, criticam essa minha terminologia, mas é essa mesmo que eu continuo a usar”, esclareceu.

“Universidades para poucos”

Ainda na entrevista ao ‘Sem Censura’, Ribeiro defendeu que o ensino superior no país deve ser para poucos, e que a alta oferta universitária no Brasil é a causa para que profissionais com alta qualificação – como engenheiros e advogados – trabalhem como motoristas de aplicativo.

“Pelo menos nas federais, 50% das vagas são direcionadas para cotas. Mas os outros 50% são de alunos preparados, que não trabalham durante o dia e podem fazer cursinho. Considero justo, porque são os pais dos ‘filhinhos de papai’ que pagam impostos e sustentam a universidade pública. Não podem ser penalizados”, seguiu o ministro da Educação, ao vivo.

O ANDES/UFRGS luta pela valorização da Educação e dos demais serviços públicos. Por isso, repudia essa e todas as colocações infundadas do governo federal, que tripudia sobre os avanços já conquistados nas políticas sociais e afirmativas brasileiras, frutos do trabalho e da união de diversos setores da sociedade e, acima de tudo, da conscientização. Em defesa da igualdade, da diversidade e da inclusão!