A comunidade do Centro de Processamento de Dados da UFRGS (CPD) divulgou, na quarta-feira (30), carta aberta repudiando a interferência do reitor interventor, Carlos Bulhões, na Direção da Unidade. Em setembro, o técnico- administrativo Thiago Stein Motta, eleito pela comunidade, foi destituído e substituído pelo professor Valter Roesler, do Instituto de Informática.
“Esse ato desabona a tradição democrática da UFRGS e desrespeita a autonomia vigente até então (…). Tal atitude da Administração Central da UFRGS ignora a expressão da vontade dos servidores que, comprometidos com suas atividades e responsabilidades, sempre contribuíram para o sucesso da UFRGS e seu prestígio entre as melhores universidades do País”, diz o documento, assinado por servidores, servidoras e bolsistas do CPD, com apoio de mais de 550 integrantes da comunidade universitária. Caso deseje assinar o documento, clique aqui.
A consulta foi realizada em 14 de setembro de 2020 e ratificada pelo Conselho Diretor do CPD em 17 de setembro. A Administração Central realizou a nomeação em 21 de setembro e, menos de dez dias depois, voltou atrás e anunciou a destituição, sem apresentar qualquer esclarecimento aos servidores.
Em defesa da democracia
O repúdio dos servidores não está restrito à quebra da autonomia – desde 1992 os reitores respeitavam a decisão da comunidade do CPD na escolha de sua direção. “Por uma tradição de nomeação para a área técnica, iniciada já no início da década de 1980 para a Divisão de Computação e, depois, pelo CPD, de um técnico vinculado ao Centro. Pois, como órgão técnico, é fundamental que seu gestor seja uma liderança técnica e um conhecedor dos processos internos, facilitando a articulação da comunidade externa e a comunidade interna, agilizando e qualificando os serviços solicitados”, argumenta José Luis Machado, analista de sistemas.
Conforme Machado, a carta foi a primeira inciativa para barrar a intervenção. “Está sendo preparado um manifesto para ser lido no Consun em sua próxima reunião ordinária, e, após uma reunião tensa entre Valter Roesler e o Conselho Diretor, Roesler sugeriu uma reunião direta com o reitor, em função do pedido do Conselho de sua renúncia ao cargo em respeito à consulta que indicou Thiago”, informa, explicando que a arbitrariedade está criando um clima de insatisfação geral, prejudicial ao ambiente de trabalho.
Desrespeito generalizado
Apesar de estar previsto no Regimento da UFRGS que o CPD, como órgão suplementar, terá seu diretor indicado pelo reitor, a técnica Gabriela D’Andrea, assistente administrativa, lembra que, em comum acordo e com conhecimento da Reitoria, é realizada a consulta entre os servidores e bolsistas do órgão – e respeitado o nome mais votado.
Para Thiago Stein Motta, o Diretor exonerado por Bulhões, “o servidor escolhido pelos seus colegas não será apenas o futuro diretor do CPD, mas a pessoa que materializa todas as necessidades e os desejos de uma comunidade para uma vida laboral mais saudável e satisfatória. Um indivíduo externo que é colocado como gestor, como já ficou demonstrado, entra sem nenhum conhecimento sobre a estrutura e funcionamento do órgão, mas achando que possui soluções mágicas para problemas que ele acha que conhece”.
Motta analisa ainda que a troca pode trazer prejuízos para o CPD e desgaste para seu corpo técnico: “Esse cenário fragiliza a situação dos servidores, pois eles precisam mostrar como funciona o seu trabalho e demonstrar que as tais soluções mágicas não são aplicáveis, correndo o risco de não terem sucesso nessa empreitada e serem mal interpretados. É um atraso no funcionamento da unidade, que só traz malefícios para a Universidade”.
O servidor lamenta a falta de respeito no processo de destituição. “Fui convocado para uma reunião presencial na Reitoria, sem pauta, na qual estava imaginando que iria conhecer o Reitor e explicar para ele o que era o CPD. Chegando lá, encontro o novo diretor nomeado e, juntos, nos reunimos com Reitor, Vice-Reitora e assessor do Reitor. Após cumprimentos, o Reitor inicia a reunião e diz que me vê como muito jovem, inexperiente e muito pressionado por todos os lados, sejam eles quais forem, e que não me acha adequado para dirigir um órgão tão importante quanto o CPD. Que o atual nomeado é mais qualificado e capaz”, relata o servidor.
“Antes que eu tivesse a oportunidade de falar qualquer coisa, todos, exceto o atual nomeado, se retiram, e o que me resta é defender o posicionamento e a escolha do CPD para o meu substituto, além de procurar álcool gel”, acrescenta, lamentado que, em plena pandemia, o protocolo tenha mantido os apertos de mão sem dispor de condições adequadas para higienização.
Ainda segundo o diretor eleito, após o retorno dos demais participantes, todos os demais presentes tiveram direito à a palavra antes que ele pudesse, finalmente, se manifestar. “Evitei falar em democracia, pois sei que é um termo sensível para a atual gestão da UFRGS, mas falei em representatividade. Sem sucesso; não parecem reconhecer a importância disso”.