Quase um mês depois da publicação do relatório final sobre o primeiro semestre de Ensino Remoto Emergencial (ERE) na UFRGS, unidades continuam se manifestando a respeito dos resultados. De acordo com a Comissão de Acompanhamento, o relatório indica que “a avaliação geral foi positiva, a adaptação às atividades de ensino foi adequada e a participação discente possibilitou a conclusão das atividades”. Além disso, o estudo dá a entender que todas as dificuldades e incontáveis queixas feitas pela comunidade acadêmica seriam “casos isolados”, o que chama a atenção do ANDES/UFRGS. Por isso, continuamos a série de matérias do boletim InformANDES na UFRGS sobre a avalição do ERE. A partir dos relatos coletados, consideramos que a análise apresentada pela Comissão de Acompanhamento do ERE está descolada da realidade vivida por docentes e estudantes.
No Instituto de Letras, experiência negativa
Ao contrário do documento apresentado à comunidade universitária pela Comissão de Acompanhamento do ERE, professores e professoras do Instituto de Letras (IL) consideraram a experiência do ERE negativa – especialmente para transpor conteúdos e adaptar metodologias de ensino, que se apoiam largamente em processos dialogais de sala de aula, à modalidade virtual. “Tal situação resultou, por um lado, em um número elevado de encontros síncronos, em que se tornavam perceptíveis as dificuldades de acesso e/ou de participação efetiva por parte de discentes, acirrando a falta de isonomia nas condições de aprendizado, e, por outro, em um abuso do tempo de aula síncrona e/ou em um acúmulo de atividades autônomas com volume excessivo de leituras e tarefas, como reportado pelas representações discentes em carta dirigida aos professores do IL”, relatam os docentes Antônio Barros e Sandra Loguercio.
Novamente, são mencionadas como dificuldades a falta de apoio por parte da Universidade para a realização das aulas, e a sobrecarga advinda da necessidade de adaptação ao formato. “Em resumo, a adoção das aulas síncronas como método preferencial para a realização das atividades de ensino não é fruto de uma política pedagógica consistente, mas sim decorre de uma efetiva carência instrumental e humana e de condições de trabalho precarizadas. Some-se a isso o fato de que o regime de trabalho ao qual o docente foi chamado a atuar, a despeito de toda a segurança jurídica e trabalhista que ainda vige, aproximou-o bastante das formas contemporâneas (perversas) de produção do trabalho, nas quais o indivíduo, de maneira autônoma e em horários inespecíficos e estendidos, executa tarefas completamente alheias ao cotidiano acadêmico dos seus pares. Ao fim e ao cabo, fica muito claro que a adoção do formato eletrônico em ambiente remoto precariza o trabalho docente e desqualifica a aprendizagem, uma vez que a ênfase recai sobre a produção de conteúdos, e não mais sobre a produção de conhecimentos”, acrescentam.
Os professores também alertam para a falta de isonomia nas condições de acesso dos alunos, afirmando que os dados apresentados pela Comissão escancaram a situação: “Embora menores nos grupos subrepresentados de respondentes, não podem ser considerados desprezíveis, portanto, os números de discentes e docentes que relataram dificuldades que comprometem sobremaneira tanto o acesso e a participação adequada às atividades de ensino por parte dos discentes quanto a qualidade do ensino, atingindo nossa instituição naquilo que é uma das funções primordiais da universidade pública: proporcionar equidade de acesso e de reais oportunidades educativas à sua comunidade”.
No ICBS, discrepâncias em relação à análise da Comissão
Apesar do aumento das aprovações, especialmente em disciplinas de têm alta reprovação no ensino regular, o curso de Biomedicina do Instituto de Ciências Básicas da Saúde verificou crescimento de trancamentos de matrícula em relação a semestres anteriores – medida que a maioria dos alunos atribuiu a dificuldades inerentes ao ERE (falta de equipamento, internet ou necessidade de cuidar de terceiros). “Como esperado, uma parcela dos alunos, embora proporcionalmente pequena no curso, não conseguiu desenvolver as atividades e ficou de fora. Contudo, a maioria conseguiu, sendo que alguns tiveram mais dificuldades que outros. Além disso, no caso do nosso curso, que tem um número significativo de disciplinas com atividade prática, a falta delas, por motivos óbvios, me parece o aspecto mais negativo na formação”, comenta o professor João Henrique Kanan, apontando que a comparação não consta no relatório apresentado pela Comissão de Avaliação do ERE. “É informado que somente um curso aumentou o número de trancamentos com uma evolução de 3, 6 e 7 respectivamente para os semestres 19/1, 19/2 e 20/1. Ora, na Biomedicina, para 2017/1, 2018/1, 2019/1 e 2020/1 temos os seguintes valores: 6, 7, 7 e 11.”
Kanan explica que, no questionário aplicado pela unidade, houve críticas semelhantes àquelas relatadas no questionário geral do ERE de número de atividades excessivas, necessidade de uma carga horária maior para dar conta dos estudos, falta de interatividade com o docente. “Não conseguimos realizar algo melhor porque a Administração Central foi lenta e omissa em discutir a questão e proporcionar a todos os segmentos da comunidade acadêmica, mas especialmente aos alunos, os recursos de infraestrutura e formação pedagógica para que se pudesse desenvolver as atividades de ensino de forma adequada.”
Superficialidade na avaliação
Todos os docentes entrevistados consideram o relatório final superficial na análise dos resultados, uma vez que houve sub-representação e não se fez qualquer tipo de randomização, misturando unidades, cursos e segmentos, entre outros. Também não foram levantados os motivos das exclusões de matrícula, que aumentaram em 74% relativamente aos semestres anteriores – situação que se torna ainda mais dramática quando somada ao número considerável de registros de conceitos não informados (NI).
Na FACED, onde foi realizado um levantamento próprio, concluiu-se que não há como fazer comparativo, uma vez que os objetivos de cada questionário foram totalmente diferentes. A íntegra dos relatórios da Comissão de Avaliação do Ensino Remoto Emergencial está disponível aqui.
Desde o início da discussão sobre a implantação do ERE na Universidade, a Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS se posicionou contra a simples transferência do ensino presencial para o remoto, debateu o formato do ERE e realizou rodas de conversa (aqui e aqui) sobre o assunto. A seção vai voltar a abordar o tema nos próximos boletins, com novos dados de outras unidades.