Autonomia universitária em vertigem: Bolsonaro e Weintraub assumem o compromisso antidemocrático nas instituições de ensino federais

Após a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, já era possível esperar por inúmeros retrocessos em diversas áreas, e no campo educacional, não seria diferente. As universidades e institutos federais enfrentaram cortes orçamentários, interferência em sua autonomia e ataques referentes a moralidade das instituições de ensino públicas, com a alegação da promoção de “balbúrdias”.

Seguindo as expectativas do atual governo, o desmonte da educação pública também é feito através do retrocesso nos processos democráticos. O não seguimento da nomeação do primeiro eleito na consulta pública para a reitoria das instituições de ensino federal foi uma das atitudes autoritárias de Bolsonaro juntamente com seu ministro da educação, Abraham Weintraub.

Em agosto de 2019, Bolsonaro fez a nomeação do terceiro mais votado para a reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC), com a diferença de 7.772 votos do primeiro colocado e apenas 610 votos do terceiro candidato, o qual foi nomeado.

Na UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri) também foi feita a nomeação do terceiro candidato da lista tríplice. Anteriormente, foram nomeados o segundo colocado da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) e o terceiro na UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia).

No decorrer do ano de 2019, foram, portanto, seis interferências na escolha da reitoria das universidades: Unirio, UFC, UFGD, UFTM, UFVJM e UFRB. A regra é que seria necessário eleger uma lista tríplice (com os três candidatos mais votados) através de eleições, o que seria configurado como consulta pública. Após, a presidência da república faria a nomeação de um dos candidatos. Diferentes dos governos anteriores, Bolsonaro não seguiu a colocação de primeiro lugar da lista tríplice nas nomeações para o cargo de reitor. Inclusive havendo situações em que nomeou para o cargo docente quem sequer era candidato.

O  posicionamento do ANDES-SN na defesa da autonomia universitária

O ANDES-SN manteve seu posicionamento contrário às medidas do governo autoritário de Bolsonaro, e através de aproximadamente 12 notas públicas, adesão e participação na mobilização da luta nas ruas, com os Tsunamis da Educação e fomentando o debate acerca das liberdades democráticas, deixou claro a posição da categoria docente quanto aos ataques que enfrenta a educação pública.

Em nota, a diretoria do ANDES-SN se pronunciou sobre o desrespeito à vontade das comunidades acadêmicas da UNIRIO, UFTM e UFGD na escolha do(a)s reitore(a)s.

“A diretoria do ANDES-SN repudia as nomeações feitas pelo Presidente Bolsonaro dos reitores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), bem como da reitora pro tempore da Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD), sem que o(a)s nomeado(a)s sequer tenham participado do processo de consulta à comunidade universitária. Estes atos representam um ataque direto à autonomia das universidades públicas do país” (ANDES-SN, Brasília (DF) 19 de junho de 2019).

Também se manifestou sobre as nomeações na UFRB, UFVJM, UFFS e  CEFET-RJ. Em defesa da autonomia universitária, publicou em nota que “é um incontestável ato autoritário e antidemocrático do atual Governo Federal” ter sido eleito o terceiro colocado da lista tríplice na UFFS, tendo em vista que não foi garantido o direito a democracia interna da instituição quando não considerada a vontade da maioria enquanto soberana.

“A diretoria do ANDES-SN repudia as nomeações feitas pelo Presidente Bolsonaro dos reitores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), bem como da reitora pro tempore da Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD), sem que o(a)s nomeado(a)s sequer tenham participado do processo de consulta à comunidade universitária. Estes atos representam um ataque direto à autonomia das universidades públicas do país” (ANDES-SN, Brasília (DF) 19 de junho de 2019).

A Medida Provisória 914/2019

Weintraub (Ministro da Educação) emitiu uma portaria em julho de 2019 (Portaria n° 1.373 de 18 de julho de 2019) onde explicitava que nomeações em concursos, bem como para cargos representativos deveriam possuir sua confirmação. A portaria ainda se manifestava acerca do uso e liberação de diárias e voos. O objetivo do ministro era de obter controle sobre as faculdades e universidades, assim como de retirar a autonomia universitária das instituições, o que acabou por colocar em discussão questões referentes à democracia e autoritarismo.

Nessa linha autoritária, no dia 24 de dezembro de 2019 o governo apresentou a MP 914/2019 que prevê alterações nos processos eleitorais das universidades, dos institutos técnicos e federais, bem como do Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, também instituição federal, e uma das mais antigas da história do Brasil.

A MP expressa a principal característica do atual governo de maneira clara: um projeto antidemocrático. Se antes as instituições de ensino federais possuíam autonomia para decidir sobre o peso do voto, agora, o mesmo se dividirá em 70% do peso dos votos sendo dos docentes efetivos da instituição, 15% dos discentes e 15% dos servidores técnico-administrativos, pondo fim a qualquer possibilidade de paridade e ou universalidade no processo eleitoral interno.

A autonomia universitária é desconsiderada nos padrões de instituição pública federal pelo governo, e os riscos para a educação são os mais diversos. Garantida na Constituição de 88, a “autonomia didático científica, administrativa e de gestão financeira patrimonial” assegura que as instituições de ensino federais podem e devem exercer suas liberdades democráticas enquanto gestão, representatividade, e direito de escolha (ART 207, CF 1988).

A nova forma de consulta sugerida, apenas eletrônica, demonstra displicência quanto ao processo eleitoral em questão pois já prevê o não seguimento da vontade da maioria, apontando para o não cumprimento da democracia e a despolitização do processo de participação dentro da unidade universitária.

Outro aspecto antidemocrático e preocupante se refere a escolha dos(as) diretores(as) dos campis, que através de nomeação do reitor, excluirá a participação das categorias discentes, docentes e TAES do processo de escolha de administração das universidades e demais instituições de ensino.

Segundo o ANDES-SN, é necessário que os dirigentes sejam escolhidos através de eleições, com voto paritário ou universal, e que não seja necessário a elaboração da lista tríplice, tendo em vista que o processo eleitoral deveria ser encerrado dentro da própria instituição.

Manter a lista tríplice é uma abertura direta para a intervenção dos governos nas escolhas universitárias democráticas, que fere a autonomia e não garante a democracia plena. De maneira implícita, a lista segue como uma forma de controle, que mesmo sendo seguida de maneira honesta por um determinado tempo, esta próxima da realidade de ser descumprida, mantendo também seu objetivo quanto o poder de intervenção do estado e conseguintemente, a anulação da democracia interna das instituições.

O que dizem as Seções Sindicais gaúchas do ANDES-SN

O presidente da Aprofurg, Cristiano Engelke, juntamente com a diretoria da seção, se manifesta de maneira contrária a MP e reforçam o compromisso na luta pela democracia.

“A posição da APROFURG é em primeiro lugar de uma frontal contrariedade a essa medida provisória, que acaba com a a autonomia universitária e coloca a universidade pública (que é da comunidade) nas mãos do governo. E as universidades são do povo brasileiro, e é isso que a MP faz, entregar para os interesses do governo para ter o controle das universidades.
Por isso a luta da APROFURG e do ANDES contra a MP, garantindo que aquele ou aquela escolhido pela comunidade seja o reitor ou a reitoria, e mais que isso, que também os diretores e diretoras de campus e de unidades acadêmicas também sejam escolhidos pela comunidades e não indicados pelo reitor – que passaria a ser indicado pelo governo -.
Seguiremos na luta por democracia, que é isso que esse governo luta para acabar. Por isso é muito simbólico essa medida provisória, porque acaba com a democracia e com a liberdade na construção do conhecimento, que é para isso que serve a universidade.
A nossa preocupação porque já existem várias universidades no país, que mesmo sem essa medida provisória já não vem sendo respeitados, não só as universidades, cefet rio, federal do ceará, grande dourados, fronteira sul, que são interventores que estão assumindo. Então a nossa grande preocupação que isso aconteça aqui na furg, tendo em vista que temos eleição este ano”.

Para a diretora da Adufpel, Miriam Cristiane Alves, a MP é autoritária e antidemocrática, práticas comuns do governo de Bolsonaro.

“A Medida Provisória 914/2019 constitui-se como um instrumento de intervenção na autonomia administrativa e gerencial das universidades. Ela se traduz em um ato autoritário e antidemocrático do governo Bolsonaro e consolida o cerco sobre a autonomia universitária, abrindo brechas para institucionalizar a interferência governamental no processo de escolha de reitores – prática já desenvolvida pelo Bolsonaro desde que assumiu a presidência, nomeando professores alinhados à ideologia do governo e que não venceram os pleitos eleitorais. Reitores que, por sua vez, irão escolher o vice-reitor, os diretores de campus e unidades sem o aval e legitimidade da comunidade acadêmica. A MP acaba com o voto paritário entre docentes, discente e técnicos que, até então, tinham o mesmo peso na formação da lista tríplice, importo, agora, um percentual de 70% para os primeiros e 15% para cada um dos demais seguimentos. Não aceitamos tal medida e continuaremos lutando por uma universidade autônoma e democrática.”

Membro da diretoria da Sedufsm, o tesoureiro geral Gihad Mohamad diz que as intervenções atacam diretamente a democracia e questiona sobre o consequente alinhamento político que se irá se formar através das novas medidas.

“As ações que o governo Bolsonaro vem tomando em relação às eleições para reitores nas universidades federais representam uma intervenção direta do governo, um duro golpe contra a democracia. Isso porque o reitor a ser nomeado pelo Presidente, consultando a lista tríplice, parte de um resultado nada democrático, tendo em vista que parte apenas do Conselho Universitário, cuja composição estabelece um peso de 70% para os docentes, e 30% para técnicos e estudantes. A falta de democracia vai ainda mais longe, pois se acaba com a eleição para os diretores de Centro (Unidades de Ensino). Qual democracia vamos vivenciar a partir do momento em que praticamente todo o Conselho Universitário terá que estar alinhado com o reitor?”

A seção sindical do Andes-SN que representa os docentes do IFRS também se manifestou sobre a MP.

“A Medida Provisória 914 atinge frontalmente a democracia no IFRS ao mudar a redação da Lei nº 11.892/2008 – marco de criação dos Institutos Federais. Até então a consulta eleitoral nos IFs era paritária, com peso de 1/3 (um terço) dos votos para cada segmento (docentes, discentes e técnicos) e não existia lista tríplice, sendo mandatória, segundo a Lei, a designação do(a) candidato(a) mais votado(a) no processo de consulta à comunidade. O mesmo procedimento era previsto para as Direções-Gerais de cada campus que compõe o Instituto Federal, sendo que a Lei previa que as consultas nos campi deveriam ser simultâneas com a Reitoria. A partir da publicação da MP 914/19, os 38 Institutos Federais no país devem seguir o mesmo procedimento de lista tríplice e de consulta com pesos diferenciados previsto para as universidades. E também foi vedada a eleição direta para as Direções-Gerais de campus.

Quando da edição da MP 914, o Sindoif – Seção Sindical do ANDES-SN no IFRS – elaborou uma manifestação pública contrária à proposta (leia aqui).

O mandato do atual Reitor do IFRS termina em fevereiro de 2020 e, por conta disso, a instituição realizou processo eleitoral em outubro (1º turno) e novembro (2º turno) de 2019. No referido processo de consulta à comunidade foi reconduzido o atual Reitor para mais um mandato e eleito(a)s o(a)s dirigentes dos 17 campi que compõem a Instituição, em um processo que foi integralmente homologado pelo Conselho Superior da instituição no início de dezembro do ano passado (veja aqui o resultado final). Todo o procedimento, portanto, ocorreu antes da edição da MP 914/19. O processo administrativo completo, inclusive, foi protocolizado no MEC antes da edição da referida Medida Provisória. A expectativa da comunidade acadêmica do IFRS, portanto, é que no próximo mês de fevereiro ocorra a designação do novo mandato do Reitor reeleito do IFRS. Para o presidente do Sindoif, Prof. André Martins, a comunidade da instituição “espera que seja cumprida na íntegra a vontade expressa nas urnas […] o ANDES-SN, em conjunto com os demais sindicatos e o movimento estudantil, deve lutar pela pela rejeição da MP 914, pois essa proposta veio para abrir caminho ao FUTURE-SE e objetiva pavimentar o processo de privatização das instituições federais de ensino””.

Para Elisabete Búrigo, primeira secretária da Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS, a MP apresenta um retrocessos nos avanços já obtidos acerca da autonomia universitária.

“As eleições diretas para reitor e diretor foram conquistadas na prática, desde os anos 80, pelo movimento docente, pelos estudantes e técnicos. Também na prática foi construída e conquistada a paridade entre os três segmentos da comunidade universitária, na maioria das instituições federais de ensino. Os Conselhos Universitários elaboram a lista tríplice reconhecendo a soberania da eleição formalmente denominada “consulta”. Mas a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases, em 1996, se esquivaram de validar esses processos. Na letra da Lei 9192/95 e do Decreto 1916/96, persistiu a redação herdada da ditadura, como tantos outros entulhos autoritários. Em 2003, o então ministro da Educação, Cristovam Buarque, propôs várias minutas de lei para remover esses entulhos e garantir a autonomia universitária reconhecida pela Constituição. Uma dessas minutas acabava com a lista tríplice que delega a decisão final ao Presidente da República, mas foi engavetada pelo então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e nunca chegou ao Congresso.

O governo Bolsonaro tira proveito do entulho, nomeando interventores que não foram escolhidos pelas comunidades. E com a MP 914, tenta “fechar as brechas” conquistadas com muita luta nos últimos 30 anos. Contra a MP, estão unificadas as entidades da educação e os partidos progressistas. Mas é preocupante perceber que há segmentos da comunidade remando ao contrário. Em 2004 e 2008, os candidatos a reitor na UFRGS concordaram em concorrer segundo os pesos percentuais de 40%, 30% e 30%, respectivamente para docentes, técnicos e estudantes – uma distribuição mais próxima da paridade do que os 70%, 15% e 15% estabelecidos pela MP. O acordo não consta das atas do Conselho Universitário, pois o registro poderia dar sustentação a uma judicialização do processo, mas está nas memórias dos participantes. Aqueles que argumentam pela inevitabilidade dos 70%, 15% e 15% querem apagar essas memórias. O que não se pode apagar é a vontade da comunidade, que se mobiliza pela democracia na universidade e no país”.

Para a seção sindical dos docentes da Universidade Federal do Pampa, a Sesunipampa, a MP ataca a autonomia universitária e representa retrocessos na educação. Conforme o presidente da seção, Cesar Beras,

“Primeiro vimos o decreto 9794/19 que transfere a responsabilidade das eleições de pro-reitores, e diretores para a presidência da república, afetando diretamente a discussão e decisão interna das comunidades acadêmicas. Depois foram seis frontais desrespeitos as escolhas da comunidade acadêmica, onde o presidente nomeou pessoas ou de fora da lista, ou que não foram as escolhidas pela ampla maioria. E agora  em 24 de dezembro a MP 914/19 que representa um retrocesso de não respeito a lista tríplice (lei que já tem problemas em si mesmo, pois também não representa o compromisso com o resultado eleitoral e logo a vontade universitária ali representada) e legitimar um processo de profundo autoritarismo expresso quer pela não paridade eleitoral, agora divida em 70% professores e 15% técnicos e discentes, quer pela possibilidade judicialização das eleições, justificando posições autoritárias, quer pela possibilidade da consulta eletrônica, processo que poder ser facilmente viciado e corrompido, quer pela escolha direta de diretores de unidades pelo reitor. Ou seja tentativas de concentração vertical  de poder, eliminando a possibilidade da discussão e escolha universal e democrática. Por isso consideramos tal medida inconstitucional e uma ameaça à autonomia universitária”.

 

Ataques às instituições federais de ensino e a necessidade de estado de greve

Desde a nomeação de Abraham Weintraub como ministro a educação pública vem enfrentando desmontes e retrocessos alarmantes. Sob acusação de promover “balbúrdia”, as instituições de ensino federais passaram pelo contingenciamento do orçamento em 34%, que inviabilizaram o pleno funcionamento das IFES e promovem a precarização as atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Com os Tsunamis da Educação, a mobilização em defesa da educação conseguiu abalar as bases do governo e dialogar com a opinião pública sobre a necessidade da defesa dos professores, estudantes e servidores públicos.  Também foi apresentado pelo governo o projeto “Future-se”, que não apresentou de fato um futuro para a educação, mas sim um projeto de destruição da educação, a tornando um balcão de negócios da burguesia e desconsiderando principalmente a área de construção do conhecimento que estão ligadas ás ciências humanas, a qual Bolsonaro e Weintraub deixaram claro serem inimigos ferrenhos.

A classe trabalhadora docente e a comunidade universitária também estão vendo seus direitos serem ameaçados através da proposta de reforma administrativa (iniciada pela apresentação das PECs 186, 187 e 188) que busca a destruição do Estado brasileiro em suas funções públicas e logo de atendimento universal a população brasileira, buscando assim, aprofundar o processo de desigualdade em que vivemos. Nessa destruição o servidor público será sacrificado (pois suas funções serão paulatinamente extintas e ou reduzidas) e os recursos públicos serão transferidos para os setores privados.

Estes ajustes neoliberais são o centro da necessidade de estarmos atualmente em Estado de Greve com a finalidade de defender a educação, o trabalho docente e intelectual a as IFES, para que não viemos a retroceder ainda mais no campo educacional, de pesquisa e de construção do conhecimento crítico.

Essa matéria foi elaborada pela Sesunipampa, com contribuição da Aprofurg (charge do Alisson Affonso). Também contribuíram: Sedufsm, Adufpel, Sindoif-RS e Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS.

Esse texto é parte do trabalho coletivo realizado semanalmente pelas Seções Sindicais do ANDES-SN no Rio Grande do Sul para divulgar as razões que levaram os docentes a aprovar o Estado de Greve para o ano de 2020.