A pressão política e econômica para retomada das aulas presenciais no Brasil tem sido mais forte do que a observância da avaliação científica e dos índices de contaminação. Regiões do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pará e Pernambuco já submetem alunos, professores e suas respectivas redes ao risco, enquanto experiências comprovam que a medida é precoce. Em primeiro lugar, porque não se pode cogitar de aulas presenciais quando se está no pico da epidemia. E porque o retorno às aulas presenciais demanda muito mais planejamento do que tem sido executado no país.
Em território nacional, foi alta a repercussão negativa do retorno em Manaus, onde um terço dos professores da rede pública testados ficou contaminado pelo vírus duas semanas depois da retomada das atividades presenciais. A cidade era considerada uma das com menor risco de proliferação da doença pelas aulas presenciais, conforme alerta da Fiocruz, o que aponta que outras localidades podem ter consequências mais sérias. Após um mês, pelo menos 1,7 mil profissionais foram afastados por Covid-19 na cidade.
No Maranhão, o Centro Educacional Sagres, em São Luís, também suspendeu por 14 dias as aulas presenciais após uma professora do Ensino Fundamental ter testado positivo para a Covid-19. No Rio Grande do Sul, antes mesmo da retomada, pelo menos 142 escolas da rede pública estadual tiveram educadores contaminados no desempenho de atividades em plantão, conforme pesquisa divulgada pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos , que também reprovou o regresso.
Experiências internacionais deveriam ser alerta
No âmbito mundial, a Espanha tem sido uma prova de que ainda não se trata de momento para retomar atividades presenciais, mesmo em países com estrutura escolar superior e curva decrescente. Praticamente todas as comunidades locais anunciaram em junho a volta do ensino presencial, e o cenário esperado era de um quadro epidêmico controlado – o que não se confirmou no fim do verão. Na última sexta-feira (11/9), por exemplo, 11 mil novos casos de Covid-19 foram registrados no país europeu.
Na França, o governo já precisou fechar 12 escolas no país e dez na Ilha da Reunião, território ultramarino francês, por causa de novos casos. No início do mês, o Ministério da Saúde do país informou que foram registrados mais de 7 mil novos casos do novo coronavírus em 24 horas, pela segunda vez em dois dias.
Nos Estados Unidos, desde que as aulas presenciais foram retomadas, em meados de agosto, nova alta de casos tomou conta das comunidades estudantis – especialmente nas universidades. Conforme pesquisa do NY Times, foram registrados mais de 36 mil casos adicionais nos campi, fazendo com que instituições de ensino passassem a ser encaradas como polos transmissores – assim como hospitais, lares de idosos e frigoríficos.
Só na Universidade Estadual de Nova York, que suspendeu a medida depois de 15 dias, foram 500 novos casos contabilizados. A Universidade de Notre Dame, em Indiana, teve mais de 300 casos em duas semanas, voltando ao sistema remoto. O distrito escolar do condado de Cherokee, no norte da Geórgia, encaminhou 826 estudantes e 43 professores para quarentena apenas seis dias depois da reabertura das escolas do condado.
Na Northeast Mississippi Community College, no Mississippi, cerca de 300 alunos estão em quarentena – o que significa 10% do corpo discente. Além disso, pelo menos três professores morreram em decorrência do coronavírus nos Estados Unidos desde a reabertura em alguns estados.
Na Indonésia, mais de 600 alunos de uma escola da ilha de Java também testaram positivo, levando a unidade a cancelar as atividades.
Resistência e Luta
No Paraná, professores e funcionários da rede estadual decidiram não retornar às aulas presenciais neste ano. A decisão foi aprovada em assembleia estadual on-line, na qual também foi deliberada uma greve em defesa da vida caso o governo estadual institua volta às aulas nas escolas durante a pandemia de Covid-19. O Paraná ultrapassou os 150 mil casos, com mais de 3.761 mortes.
A resistência também está presente entre os pais. Um levantamento do Ibope realizado em agosto aponta que 72% das famílias só querem que as aulas presenciais sejam retomadas quando uma vacina contra a doença estiver disponível.
Ainda em agosto, a Fiocruz, que coordena as pesquisas sobre Covid-19 no país, emitiu nota enfatizando ainda não ser hora de uma volta às aulas no Brasil, estimando que mais de 9 milhões de brasileiros do grupo de risco poderiam ser contaminados com isso.
Como parte das ações em defesa da vida e pelo fechamento das escolas durante a pandemia, 15 de setembro será o Dia Nacional da Educação em Defesa da Vida, data definida em reunião do Conselho Nacional de Entidades da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), realizada em 26 de agosto.
A CSP-Conlutas Nacional também está com uma campanha permanente contra a volta às aulas no período de pandemia. Um manifesto nacional foi lançando e já conta com mais de 11 mil assinaturas. Para assinar, acesse aqui.
Novo normal ou necropolítica?
No Espírito Santo, um trecho do plano de retorno na rede pública estadual vem causando revolta. O documento, disponível no site da Secretaria da Educação do estado (Sedu), garante a organização de “ritos de despedida” nas escolas em caso de mortes de alunos ou profissionais das unidades. “Havendo óbitos de alunos ou de profissionais da escola, e se for algo desejado pela comunidade escolar, o grupo pode organizar ritos de despedida, homenagens, memoriais, formas de expressão dos sentimentos acerca da situação e em relação à pessoa que faleceu, e ainda atentar para a construção de uma rede socioafetiva para os enlutados”.
O dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, se referiu ao plano como mórbido. “Se há risco de óbito, e é óbvio que há, não é aceitável o retorno às aulas presenciais”, aponta. “A incompreensão de algo tão simples desnuda a vigência cruel da necropolítica no Brasil. Que, aliás, pode ser tratada como um traço da nossa tradição. Quem vocês acham que irá morrer?”