02 de setembro de 2019
Em audiência pública realizada quarta-feira (28) na Câmara dos Deputados, representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) trataram do déficit de R$ 330 milhões para a cobertura de bolsas de pesquisa. Caso não sejam encaminhados recursos ao Conselho, os benefícios serão suspensos a partir do próximo mês.
“A restrição que temos nas bolsas não é contingenciamento, é lei orçamentária. Ou seja, para mudar isso tem que haver um Projeto de Lei, que tem que ser votado pelo Congresso, para um crédito suplementar”, explicou João Luiz Filgueiras de Azevedo, presidente do órgão, lembrando que só dispõe de R$ 83 milhões em caixa para o pagamento de pesquisadores – frente a um custo mensal para manutenção das mais de 80 mil bolsas em andamento, no total de R$ 82 milhões. “Após pagarmos as bolsas de setembro, sobrará na rubrica apenas um milhão de reais”, alertou.
Além do pedido de aprovação imediata da Proposta do Poder Executivo PLN 18/19 – que remaneja R$ 3 bilhões do Orçamento da União para reforço de dotação orçamentária de Ministérios –, o secretário-executivo do MCTIC, Júlio Semeghini, defendeu a manutenção das bolsas e a inclusão do valor necessário para 2020 no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA).
Incertezas em meio à necessidade de investimentos
Quando o Congresso Nacional votou o PLN 4/2019, que destinava créditos para outros ministérios, as lideranças partidárias firmaram um acordo para que os recursos para as bolsas fossem equacionados pelo governo. No entanto, isso não foi cumprido pela equipe econômica do governo, e o próprio MCTIC não está otimista de que essa operação seja feita em tempo hábil para evitar a suspensão dos benefícios.
Na terça-feira (27) o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, encaminhou uma manifestação ao Supremo Tribunal Federal para que reserve R$ 250 milhões de um fundo da Petrobrás para os pesquisadores. A solicitação diz respeito a uma ação em que o ministro Alexandre de Moraes irá decidir sobre o destino dos R$ 2,5 bilhões recuperados pela operação Lava Jato.
Atenção ao CNPq e à Finep
A audiência pública foi realizada em conjunto pelas comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicações e Informática (CCTCI) e de Educação (CE), e contou com a participação de representantes de diversas áreas da academia e da ciência. Também abriu espaço para a discussão de outras ameaças à continuidade do funcionamento do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) – como os contínuos cortes no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e as ameaças de fechamento do CNPq e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, mostrou dados apontando para o atraso do Brasil comparado aos emergentes China, Índia, Rússia, e Coreia do Sul no investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). “Há 25 anos, estávamos mais ou menos empatados. Hoje, a China já disputa com os Estados Unidos em produção científica e PIB porque tiveram projetos nacionais de desenvolvimento com apoio crescente e continuado à educação, à ciência, tecnologia e inovação e à educação”, analisou. “É fundamental que se construam pontes mais efetivas da produção científica com a inovação tecnológica, e também com a inovação social, para a superação da crise econômica e a melhoria da qualidade de vida das pessoas. E o CNPq está na base disso”.
Moreira também denunciou a situação dramática da Finep, cuja principal fonte orçamentária é o FNDCT, contingenciado em 90% este ano. “A redução drástica é crítica, inclusive para o CNPq, porque o FNDCT abastece muitos dos seus editais”. E lembrou que é inaceitável a proposta da extinção destas agências de fomento, que circula em determinadas áreas governamentais – inclusive no Ministério da Economia.
O presidente da Academia Brasileira da Ciência (ABC), Luiz Davidovich, apontou para o caráter estratégico do investimento em CT&I. “Temos que pensar nos investimentos fundamentais que garantam ao país um futuro, com autonomia, com independência. Queremos remédios baratos para a população, enfrentamento das epidemias emergentes, energias renováveis, biotecnologia que garanta desenvolvimento sustentável em todos os biomas brasileiros”, frisou.
Celso Pansera, ex-ministro da Pasta, propôs que o Congresso aprove imediatamente o PL 5.876/16, que destina 25% do fundo social do Pré-Sal para a ciência, como forma de dar segurança financeira para o setor. Também defendeu o desarquivamento do PLP 358/17, que impede o contingenciamento do FNDCT.
Gianna Cardoso Sagazio, diretora de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), falou da relevância da CT&I para a retomada da atividade econômica e alertou para a necessidade de ampliação dos investimentos públicos. Reiterou a importância do FNDCT e do apoio do BNDES à inovação, que caiu de R$ 3,6 bilhões em 2016 para apenas R$ 400 milhões em 2019, com reflexos sobre a capacidade de inovação da indústria. “O Brasil perdeu 19 posições no Índice Global de Inovação industrial (calculado pela ONU), ficando em 66º lugar entre 129 países, o que não corresponde ao país que ocupa o nono lugar entre as principais economias mundiais”, pontuou.
A presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé, destacou o impacto que o corte das bolsas teria sobre os estudantes e lembrou que o valor das bolsas está defasado, sem correções há mais de seis anos. “O que está em causa é a destruição de um projeto nacional”, completou.