O Ministério Público Estadual (MPE), em parceria com o Ministério Público Federal (MPF), promoveu nesta terça-feira (20) uma audiência pública em Porto Alegre sobre o projeto da Mina Guaíba. Se for aprovado o licenciamento, o empreendimento será a maior mina de carvão do Brasil, ocupando uma área de 4,5 mil hectares.
Centenas de pessoas compareceram ao evento, convocado em função dos prováveis riscos da exploração mineral. Entre as críticas, estão uso do carvão como fonte energética, na contramão da tendência mundial de priorizar energias limpas, e os grandes impactos sociais, econômicos e ambientais na Região Metropolitana. Porto Alegre, apesar de não ser citada no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) da Mineradora Copelmi – responsável pelo projeto e que já explora outras seis minas na região –, também deverá ser atingida.
Ameaça grave
A exploração de carvão entre Eldorado do Sul e Charqueadas é um dos principais componentes do polo carboquímico no Rio Grande do Sul, autorizado pelo ex-governador José Ivo Sartori em julho de 2018. Prevista para ser instalada a 16 quilômetros da capital, a Mina Guaíba provocará contaminação do ar, da água e dos alimentos que são produzidos e consumidos na região.
A preocupação de lideranças políticas e ambientalistas é que, assim como já ocorre em países como a China, esse tipo de atividade provoque danos irreversíveis ao meio ambiente e às áreas impactadas, gerando não apenas aumento considerável na poluição do ar, como um alto risco de contaminação nos cursos d’água próximos. Outro problema iminente é a poeira química, decorrente da queima do mineral.
Caso o projeto seja aprovado pela Fepam, 72 famílias de agricultores do assentamento Apolônio de Carvalho, segunda maior unidade produtora de arroz orgânico do Estado depois de Viamão, precisarão deixar suas terras. Além disso, cerca de 80 famílias do Loteamento Guaíba City, de Charqueadas, também serão desalojadas, e haverá impacto sobre comunidades indígenas guaranis e sobre aproximadamente 2 mil pescadores das ilhas que compõem o Delta do Jacuí, uma das mais importantes áreas de conservação do Rio Grande do Sul.
Na audiência pública, o professor Rualdo Menegat, do Instituto de Geociências da UFRGS, sustentou que a abertura de uma mina a menos de 17 quilômetros do centro da capital poderá contaminar o rio Jacuí com carvão, “um dos minerais mais complexos que existem”. O docente mostrou que a composição do mineral inclui metais pesados e elementos radioativos. Manifestou também apreensão com uma possível contaminação dos pontos de captação de água de Porto Alegre pelo fenômeno conhecido como drenagem ácida, no qual o enxofre contido no carvão contamina as águas, e alertou que a remoção de 5 milhões de toneladas por ano vai gerar danos às estradas da região e um “domo de poeira” (quando resíduos ficam suspensos) sobre a Região Metropolitana.
A pesquisadora Márcia Käffer, também presente na audiência, previu que, no sexto ano de operação, a concentração de poluentes poderia ultrapassar em até 241% o permitido pela legislação ambiental. Os dados constam no estudo e no relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) feito pela própria Copelmi. O representante do Comitê Estadual de Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Alexandre Korb, lembrou que o projeto está em desacordo com a lei, por sua proximidade com o Parque Estadual do Delta do Jacuí, uma área núcleo de Mata Atlântica, onde não é permitida tal atividade.
Pressão da comunidade
O ANDES/UFRGS, que tem participado ativamente das discussões e mobilizações relacionadas ao tema, é uma das entidades que integra o Comitê de Combate à Megamineração, juntamente com ambientalistas, pesquisadores, agricultores familiares, assentados, ativistas, estudantes, professores e militantes que atuam em vários movimentos sociais e sindicatos.
“A audiência foi muito importante, pois deixou evidente o descontentamento de diversos setores da sociedade com a proposta de exploração de carvão a céu aberto, assim como uma diferença quantitativa e qualitativa na argumentação dos dois lados que se manifestaram”, analisa o professor Rafael Kruter Flores, que representa a seção sindical no Comitê. “Ficou evidente que os argumentos apresentados pela representação da Copelmi e por alguns poucos que defenderam o projeto são rasos e fracos, limitados a um suposto ganho econômico para a sociedade. De outro lado, cientistas, líderes de associações profissionais, ambientalistas, líderes estudantis e uma diversidade muito interessante de setores da sociedade demonstraram o absurdo que é a proposição de explorar carvão a céu aberto ao lado do Delta do Jacuí, a poucos quilômetros de Porto Alegre, em uma área onde se produz arroz orgânico de qualidade, em uma infinidade de argumentos que, se forem levados a sério pelos órgãos competentes, não deixarão o projeto em pé.”
O Comitê de Combate à Megamineração tem se reunido semanalmente para organizar o combate ao projeto, e realizado atividades de panfletagem e conversas de conscientização com a população em geral. “Aos poucos, estamos percebendo que a sociedade começa a se apropriar do projeto e o rechaço é massivo. Em paralelo ao processo de licenciamento ambiental, há um esforço de conscientização. A sociedade não outorga licença social para a Copelmi”, enfatiza o docente.
Comunidade precisa ser informada
A audiência não faz parte do processo ordinário do licenciamento, mas foi organizada pelo Ministério Público gaúcho porque Porto Alegre terá seus únicos pontos de captação de água atingidos. “Tu só consegues prevenir danos ambientais quando a população está devidamente informada”, afirmou a promotora Ana Marchesan. As avaliações coletadas devem ajudar a instruir os inquéritos socioambientais dos dois órgãos.
A Fepam, que vinha sendo pressionada por movimentos populares, lideranças políticas e diversas organizações a realizar a discussão, ainda não convocou audiência oficial. No entanto, emitiu ofício, na semana passada, solicitando à Copelmi complementações nos estudos de impactos ambientais em função de pedidos protocolados por diversas entidades e pessoas físicas. A empresa tem 120 dias para reapresentar o material, esclarecendo diversas questões que envolvem escoamento, tratamento de efluentes, dispersão de poluentes, qualidade do ar, geomorfologia, drenagem ácida, entre outras. “Trata-se de uma vitória que mostra que a pressão está funcionando”, avalia o professor Flores. Manifestações e sugestões ainda poderão ser feitas até dia 27 pelo e-mail meioambiente@mprs.mp.br.