Ato nesta sexta (23) marca 2 anos de resistência à intervenção na UFRGS

Completando dois anos de intervenção nesta quarta-feira (21), a UFRGS vem sediando resistência da comunidade acadêmica, unida na luta contra a imposição do governo Bolsonaro e em defesa da universidade.

Desde a nomeação arbitrária de Carlos Bulhões e Patrícia Pranke, cuja destituição foi aprovada pelo Conselho Universitário (Consun), diversas mobilizações seguem sendo realizadas dentro e fora dos campi contra o autoritarismo e a censura, que ameaça, inclusive, a liberdade de cátedra. Nesta sexta (23), a partir das 12h, ANDES/UFRGS, Assufrgs, APG e DCE convidam a comunidade para ato que marca dois anos de resistência à intervenção. A atividade, junto ao Memorial dos Expurgados, no Campus Central, conta com o apoio dos coletivos Ação Docente, Memória e Luta e Representação Autônoma Docente.

“A intervenção significa a concepção bolsonarista de pensar e de governar presente na administração central da universidade. Com isso, deteriora-se este espaço através de um movimento que vem de fora, com o corte de recursos públicos do governo federal, como de um movimento que vem de dentro, desconstruindo e desrespeitando as instâncias democráticas como o Consun, por exemplo”, denuncia a professora Magali Mendes de Menezes, presidente do ANDES/UFRGS.

Contra a reforma administrativa

Foto: Assufrgs

Bulhões e Pranke ficaram em último lugar na consulta à comunidade, assim como na lista tríplice encaminhada em julho de 2020 pelo Consun ao Ministério da Educação (MEC) para a gestão do período 2020-2024. Mesmo assim, foram empossados à revelia do processo democrático em setembro de 2020, tendo ocorrido o mesmo em outras 26 Instituições Federais de Ensino.

Já no primeiro dia de mandato, a Reitoria interventora implementou, sem diálogo com as instâncias e segmentos da Universidade, diversas mudanças estruturais, incluindo a junção das Pró-Reitorias de Graduação e Pós-Graduação e a criação da Pró-Reitoria de Inovação e Relações Institucionais (Proir), que ficou sob comando de Geraldo Pereira Jotz, coordenador não apenas da campanha eleitoral do gestor interventor, como da intermediação para sua nomeação pelo governo federal.

Mesmo com protestos constantes de docentes, estudantes e técnicos, as alterações só passaram a ser tratadas pelo Consun após autoconvocação de uma sessão extraordinária, em 5 de outubro, a qual foi interrompida abruptamente em mais um ato de desrespeito de Bulhões.

Após meses de discussões truncadas e manobras regimentais que dificultaram a manutenção da democracia, o órgão máximo da UFRGS conseguiu deliberar, em 12 de março, a anulação das mudanças – o que seguiu sendo ignorado pela Administração Central. As Pró-Reitorias de Graduação e Pós-Graduação foram restabelecidas em junho de 2021, mas a exótica Proir foi agigantada, anexando órgãos importantes como a Secretaria de Relações Internacionais (RELINTER).

Destituição

Foram muitas assembleias, atos e manifestações políticas contra a conduta intervencionista, até que, em agosto de 2021, o Conselho Universitário definiu, em uma iniciativa inédita na Universidade, com 59 votos favoráveis, 7 contrários e 5 abstenções, pelo encaminhamento de pedido de destituição ao MEC.

A decisão foi tomada em cumprimento à Resolução 149/2021, originada a partir do Parecer 80/2021, elaborado pela comissão paritária que analisou as condutas arbitrárias da gestão –  especialmente o descumprimento da Resolução 62/2021, que desaprovou as mudanças estruturais do ano anterior. O efetivo afastamento é atribuição do Ministro da Educação, que, seguindo a política de descaso do presidente da República, nunca acatou a vontade da comunidade acadêmica.

No mesmo mês em que a comunidade indicava o afastamento de seus reitores impostos, Bulhões anunciava seu desligamento, também arbitrário, da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), que representa 68 universidades federais, dois Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) e dois Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs). A atitude gerou repúdio do Consun e manifestação de representantes discentes do Consun e outros estudantes, em ato interrompido pela Polícia Militar. O pagamento das mensalidades à Andifes foi retomado apenas em maio de 2022 e comunicado ao Consun no final de agosto.

Colônia de Férias

A mesma Pró-Reitoria criada de forma autoritária por Bulhões ignorou os apelos da comunidade universitária e solicitou às escondidas, em janeiro de 2022, o encerramento das atividades da Colônia de Férias da UFRGS em Tramandaí para utilização do espaço como Sede do Parque Científico e Tecnológico ZENIT.

O pedido, acatado pela PRAE (Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis), gerou revolta e mobilização da comunidade, que culminou em ato simbólico no local, que vinha sendo reivindicado há anos pelo Campus Litoral Norte da UFRGS (CLN). A comunidade vinha utilizando a área em eventos culturais e acadêmicos e aguardava o fim de obras iniciadas em 2017.

A pauta foi levada ao Conselho Universitário (Consun), que divulgou moção de repúdio e criou, em março, uma comissão especial para analisar o caso. Em agosto de 2022, o Consun aprovou a Resolução n. 174 determinando que a transferência do espaço para a Proir fosse desfeita e solicitando à direção do Campus Litoral Norte a apresentação de um plano de uso do espaço físico da Colônia de Férias. Em mais uma manobra protelatória, o reitor encaminhou o processo para a Procuradoria da Universidade.

Instituto de Artes

Foto: Igor Sperotto/Extra Classe

Marca registrada da gestão Bulhões/Pranke, o autoritarismo chegou ao ápice com o encaminhamento, em maio,  de uma ação de Interdito Proibitório contra a Direção, a Gerência Administrativa e estudantes do Instituto de Artes (IA), após manifestação em frente ao antigo prédio do ICBS (Instituto de Ciências Básicas da Saúde), que deveria ter sido cedido à Unidade após a inauguração das novas instalações, em fevereiro.

A ação buscou constranger mobilização comunitária que reivindica a transferência do IA, aguardada há mais de 20 anos em função da péssima estrutura física da Unidade, conforme compromisso assumido desde a gestão de Carlos Alexandre Netto, através do Ofício nº 0416/2009. Em abril deste ano, o Consun também se posicionou a favor da transferência.

No mesmo dia em que se completam dois anos de intervenção na UFRGS, deverá ser realizada visita pelo Grupo de Trabalho nomeado para tratar do processo.

Retorno presencial seguro

O alinhamento da Reitoria interventora com a este governo se manifesta em diversas ocasiões desde a nomeação, sendo o negacionismo e a censura algumas das mais impactantes posturas em um ambiente que deveria incentivar a reflexão, a ciência e a democracia.

Após o pior momento da pandemia, enquanto centenas de milhares de famílias sofriam por perdas que poderiam ter sido evitadas com a vacinação, Bulhões se furtava de assumir a organização de um retorno  presencial seguro, jogando as responsabilidades para as Unidades, e tentando anular a obrigatoriedade do comprovante de vacinação em desrespeito explícito às determinações sanitárias dos órgãos competentes, como Consun e Comitê Covid-UFRGS.

Em janeiro de 2022, foi criada uma Comissão Especial Mista de Acompanhamento ao Retorno Presencial, que realizou diversas diligências para implementar as decisões do Consun e do Cepe e tratar de reivindicações da comunidade, desde o arejamento das salas até o transporte para os campi e a exigência do comprovante de vacinação. Além de criar todo tipo de óbice aos trabalhos dessa comissão, em mais um desmando o reitor interventor extinguiu, em junho de 2022, o Comitê Covid-19, criado no início da pandemia e responsável pelas diretrizes de proteção à saúde da comunidade.

Em junho de 2022, quando a Andifes e os reitores eleitos protestavam contra os cortes de verbas e denunciavam a insuficiência dos recursos repassados, Bulhões publicava na imprensa local um autoelogio, usando o eufemismo do “desafio orçamentário” para dissimular a precaríssima situação das instalações da UFRGS e demonstrar, mais uma vez, sua lealdade ao governo que impôs sua nomeação.

O descaso administrativo foi pauta da primeira Plenária Universitária presencial desde o início do ERE, convocada em março deste ano por ANDES/UFRGS, Assufrgs, Sindoif, Sinasefe, DCE da UFRGS e Terceirizados Unidos, e deve seguir em voga dentro da luta em defesa da vida e dos serviços públicos no país, que nunca foram tão atacados quanto no governo federal vigente.

Fora Bolsonaro

Contra as políticas arbitrárias de Bolsonaro e seus seguidores e os sucessivos ataques ao ensino público de qualidade, o ANDES/UFRGS se manteve ativo e presente em todas as mobilizações contra a intervenção na UFRGS e contra o governo genocida, diretamente ligado à Administração Central interventora. Além disso, tem trabalhado pela urgência da pauta das intervenções em nível nacional, através das instâncias do ANDES-SN e em diálogo com outras seções sindicais que vivem o cotidiano opressivo das intervenções.

Em audiência pública promovida pela Comissão de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa gaúcha em novembro de 2021, a Seção esteve presente reforçando o repúdio à política de intervenção. Também convocou e participou de atos, publicou notas públicas e comandou conversas institucionais e políticas no intuito de resgatar a valorização da Universidade e da autonomia, um direito constitucional cada vez mais ameaçado. “É fundamental não naturalizarmos a intervenção, como infelizmente algumas forças da universidade vêm fazendo”, destaca Magali.

Em agosto deste ano, com a proximidade do período eleitoral e diversos relatos de docentes sobre intimidações relacionadas a ele, a Seção Sindical lançou uma cartilha docente elaborada pela RCSM Advocacia, responsável pela assessoria jurídica, contra a censura na universidade.

Como pautado no 40º Congresso do ANDES-SN e defendido em manifestações como as realizadas recentemente no Dia do Estudante (11 de agosto) e no 7 de setembro (Grito dos Excluídos e das Excluídas), derrubar Bolsonaro nas urnas e nas ruas é uma meta de todas e todos que defendem a vida no Brasil.