A Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN (AJN) emitiu parecer técnico denunciando a inconstitucionalidade do Projeto de Lei que sugere redução de salário para servidore(a)s e empregado(a)s público(a)s de qualquer um dos Poderes da União. De autoria do deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP), a sugestão prevê cortes de 10% a 50% nas remunerações, os quais seriam direcionados para o combate ao Coronavírus.
“Não há qualquer permissão constitucional ou situação excepcional que permita a promoção da redução das remunerações ou subsídios dos servidores, ainda que a situação de fato vivida pelo estado de calamidade pública seja preocupante para os gestores públicos”, esclarecem os advogados Leandro Madureira Silva e Rodrigo Peres Torelly, reconhecendo que existem outras medidas previstas em lei que devem ser adotadas, “ao invés daquela que se revela em tentativa de quebra do dispositivo constitucional”.
Conforme a nota técnica, a medida que mais emerge quando se trata de aumentar a arrecadação fiscal é aquela que está constitucionalmente prevista, mas que nunca foi regulamentada pelo Congresso Nacional: a taxação das grandes fortunas, prevista no art. 153, inciso VII, que diz: compete à União instituir impostos sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar. “Ora, se há dispositivo constitucional que garante maior possibilidade arrecadatória aos caixas da União, prevista pelo constituinte originário e mantida por todos os governos, mas que nunca foi regulamentada por mera inércia da União, por qual razão se deveria concordar em promover a quebra do pacto constitucional da irredutibilidade de remunerações e subsídios? Estamos diante não apenas da tentativa do Poder Público em gerar o desmonte dos serviços públicos, justamente em um momento tão delicado e que exige a atuação firme e zelosa dos servidores públicos, mas também a continuidade dos privilégios de quem tem obrigação constitucional de contribuir: os afortunados”, analisam os especialistas, que alertam: “É justo que os servidores sejam chamados a contribuir, enquanto os verdadeiramente ricos não são atingidos?”
A diretriz tem sido apontada por diversos pesquisadores e entidades, entre eles docentes da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS (FCE/UFRGS), que lançaram um manifesto analisando a conjuntura econômica e apontando 32 sugestões de combate à pandemia e recuperação da economia, assim como pelo documento elaborado conjuntamente por Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital), Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e Instituto Justiça Fiscal (IJF).
O PL
A proposta do parlamentar, protocolada na terça-feira (24), prevê taxação progressiva nos salários dos servidores federais, sejam concursados, comissionados ou ocupantes de cargos eletivos, de todos os poderes (executivo, legislativo e judiciário) que ganhem mais de R$ 5 mil mensais.
Para os servidores que ganham entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, a taxação seria de 10% do salário. Para os que ganham mais de R$ 10 mil, de 20% a 50%, com a alíquota a ser determinada pelos respectivos poderes. A validade da Lei seria associada ao Estado de Calamidade Pública, e os recursos seriam repassados integralmente ao Ministério da Saúde.
“Sempre bom relembrar que os servidores públicos foram os principais atingidos pela recente Reforma da Previdência da EC 103/2019, que promoveu um aumento significativo do valor das contribuições previdenciárias e diminuição do valor líquido recebido por eles, e que os servidores não tem reajuste já há bastante tempo, o que também os apenou significativamente”, afirma o parecer da AJN.
“Querer fazer a sociedade crer que todos os servidores públicos estão no mesmo nível do que os seus e que os deputados e senadorias se unem num coro de se sacrificarem em prol do bem comum é, no mínimo, ultrajante. E nem entraremos aqui na imensa disparidade remuneratória e de carreira que existe entre os servidores de poderes distintos, em comparação aos do Executivo Federal”, acrescentam os advogados. Para ler o parecer na íntegra, clique aqui.
Repúdio à suspensão de adicionais
Além da possibilidade de corte de salários, o governo publicou, na semana passada, a Instrução Normativa nº 28, de 25 de março de 2020, que trata da suspensão dos adicionais à(o)s servidore(a)s durante o período da pandemia de Coronavírus. O documento autoriza o corte provisório de benefícios como auxílio-transporte, adicional noturno e adicionais ocupacionais, como aqueles percebidos em razão de insalubridade, periculosidade, irradiação ionizante e gratificação por atividades com Raios X ou substâncias radioativas, durante o tempo em que as atividades forem realizadas de forma remota.
A AJN explica que as medidas são transitórias e, no caso de realizadas em regime de revezamento, o disposto na instrução aplica-se apenas aos dias em que não houve o efetivo deslocamento para o trabalho.
Nesta segunda-feira (30), o ANDES-SN emitiu nota de repúdio aos cortes: “Essas ditas “vantagens” acabam compondo o orçamento total do trabalhador(a) e têm sido, por vezes, utilizadas tanto como paliativos às perdas salariais acumuladas, quanto base para a realização de reajustes, em detrimento do vencimento básico. Em alguns casos, tais rubricas representam quase 20% da remuneração mensal.”
Exigindo a revogação da Instrução Normativa, a nota acrescenta: “A linha única no contracheque é uma luta histórica do ANDES-SN por entender que o vencimento básico deve integrar todos os benefícios a que o(a) trabalhador(a) tem direito, ficando, portanto, protegido(a) de ataques como esses. Infelizmente, os diferentes governos utilizam-se da concessão de adicionais e auxílios para burlar o vencimento básico e assim atacarem os proventos de servidore(a)s público(a)s.” Leia aqui a íntegra da nota.