Em meio à pressão empresarial e política pela retomada das aulas presenciais, os dias que antecederam o julgamento do recurso do governo estadual foram marcados pela propagação de notícias falsas, protestos e dúvidas. Da publicação de decreto que autorizava o retorno ao recuo do Executivo, foram três dias de guerra de informação, o que levou, inclusive, à reabertura de algumas escolas em Porto Alegre. Nesta segunda-feira (26), desembargadores da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado (TJRS) decidiram, por unanimidade, não atender ao recurso do governo do Estado e um agravo do Ministério Público, mantendo a suspensão.
“O retorno pretendido deve se dar mediante a constatação de circunstâncias sanitárias seguras para toda a comunidade envolvida, não apenas às crianças, mas também aos pais, professores, auxiliares, atendentes, encarregados da limpeza, merendeiras, colaboradores das escolas e transportadores coletivos”, explicou o desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, relator do processo.
O julgamento teve início na quinta-feira (22), e estava previsto para ser finalizado nesta quarta (28), mas foi antecipado em função das ocorrências do final de semana. “Lamenta-se o alto grau de insegurança vivido nas últimas horas, o qual decorre de uma expectativa gerada na sociedade pela edição de um novo Decreto quando a questão estava subjudice, com desfecho programado para três dias após a entrada em vigor do citado ato. Penso que esta situação poderia ter sido evitada”, frisou o desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, ao antecipar a questão.
Cronologia do imbróglio
O decreto que autorizava a retomada das aulas presenciais na Educação Infantil e no primeiro e segundo ano do Ensino Fundamental nos municípios que adotaram o sistema de cogestão foi publicado na sexta-feira (23). No sábado (24), a Procuradoria Geral do Estado emitiu nota reforçando o suposto retorno, enquanto entidades e coletivos da Educação questionavam a medida, amparados em decisão liminar que suspendeu, desde 1º de março, a modalidade presencial durante a vigência da bandeira preta.
No domingo (25), a juíza Cristina Luisa Marquesan da Silva, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre decidiu que permanecia válida a liminar – deferida em resposta a uma ação civil pública ajuizada pelo CPERS/Sindicato e pela Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD) – independentemente de eventual flexibilização de protocolos.
Pressão
Mesmo com a antecipação do julgamento, a PGE apresentou novo recurso na madrugada de segunda-feira (26/4). “(…) A decisão judicial, ao impedir o retorno das aulas presenciais independentemente da situação dos indicadores e das novas regras que o Poder Executivo venha a adotar durante a gestão da crise, retira o próprio poder regulamentador do Poder Executivo, substituindo-o por decisões judiciais tomadas no processo”, alegou o Piratini.
No domingo, um protesto foi realizado em frente à residência da juíza Cristina Luisa Marquesan da Silva, que teve seus dados pessoais vazados durante o processo.
“(…) Toda decisão judicial causa descontentamento à parte sucumbente e pode gerar o debate público, salutar em democracia; mas jamais aceitaremos que a reação às decisões represente ameaça à segurança física das magistradas e magistrados e seus familiares. A divulgação do endereço e a perturbação da tranquilidade doméstica de nossos juízes e juízas é prática repugnante e que precisa cessar de imediato”, manifestou Orlando Faccini Neto, presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS), em nota.
O TJ-RS também publicou nota de repúdio a pressões e ameaças feitas à magistrada. “É inadmissível, e merece a mais veemente repulsa, a conduta, de quem quer que seja, com o propósito de hostilizar uma decisão judicial, ameaçando um magistrado ou uma magistrada, chegando ao ponto de ir em frente à sua residência, mediante inconcebível prévia divulgação, em redes sociais, do local onde mora, procurando criar-lhe, também, situação de constrangimento que ultrapassa todos os parâmetros de uma mera manifestação pacífica”, publicou o órgão.
Empresariado reunido
Além de prefeitos e deputados, na quinta-feira (22) Federasul e Fecomércio formalizaraem ao governo do Estado o pedido para alterar as regras do distanciamento controlado, sustentando que a mudança seria necessária “para a retomada das atividades presenciais nos cursos livres”.
As duas federações, que manifestaram preocupação em relação a um possível fechamento de escolas privadas, também entraram no Supremo Tribunal Federal como amicus curiae no recurso do Estado, como já haviam feito a Assembleia Legislativa, a OAB-RS, o Ministério Público do RS e as prefeituras de Porto Alegre, Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Gramado e Santa Tereza, além da Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne). Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) ingressou como parte interessada em manter a suspensão das aulas presenciais.
ANDES/UFRGS defende retomada quando houver condições
O ANDES/UFRGS reitera repúdio à retomada das aulas presenciais sem um cenário de segurança sanitária adequado. “Estamos nos desafiando a educar filhos/as em casa, mas estamos preservando vidas. Enquanto isso os governos devem garantir as condições mínimas para aqueles/as que hoje estão passando fome. É notório que a massa da população empregada ou não, continua trabalhando sem ter as mínimas condições de ensinar ou aprender em casa”, afirma Tiago Martinelli, vice-presidente da Seção Sindical. “A volta das aulas presenciais somente deve ocorrer com vacina para todos/as, condições sanitárias e de trabalho adequadas. A luta é pela preservação das vidas!”, complementa.
A entidade permanece solidária aprofessores e estudantes da Educação Básica, AMPD, CPERS/Sindicato, SIMPA, SINPRO e todos os coletivos que se mobilizam contra a política genocida do retorno presencial no estágio mais grave da pandemia no Rio Grande do Sul.