A Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS emitiu nota pública nesta segunda-feira (23) criticando a substituição de aulas presenciais na Universidade pela modalidade EAD. A possibilidade foi sugerida pela Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) em mensagem enviada às coordenações de Comissões de Graduação (Comgrads) da UFRGS, baseada em recentes portarias do governo federal.
Enviada com cópia para diretore(a)s de Unidade e Chefes de Departamento, a mensagem afirma que a eventual substituição de atividades de ensino presencial por atividades à distância seria válida até 5 de abril, prorrogável. A troca valeria mediante aprovação das respectivas comissões de graduação, pós-graduação ou do Conselho do Colégio de Aplicação – sem consulta à Câmara de Graduação ou aos Conselhos Superiores.
Na visão do ANDES/UFRGS, trata-se de uma mudança de orientação inadequada, que “autoriza e incentiva a generalização do ensino a distância (EAD), atribuindo às Comgrads, aos Departamentos e, em última instância, ao(à)s docentes, a responsabilidade pela decisão a ser adotada em cada curso e disciplina”.
Além disso, tais decisões, impelidas açodadamente a comissões e docentes, “terão graves implicações e efeitos, não apenas para as próximas semanas, mas para os próximos anos de nossas vidas e da instituição que construímos”.
A Seção Sindical destaca que, mesmo diante da crise instaurada pelo vírus, “devemos prezar pelos processos deliberativos de nossa Universidade, em acordo com nosso Estatuto e Regimento, ainda mais em se tratando de mudança tão significativa e passível de uma variada gama de interpretações e ações no âmbito jurídico. Não podemos desconsiderar a intenção oportunista do MEC na flexibilização do regramento do ensino a distância para as universidades públicas e privadas, em meio à precarização da educação pública, a cortes de verbas, a ataques aos serviços públicos e aos(às) servidores(as)”.
Descompasso com a realidade
O ANDES-SN já havia se manifestado contra a hipótese ventilada pelo MEC. Em nota de repúdio emitida na quarta-feira (18), denunciou que o governo desconsidera a sobrecarga já existente e intensificada pela qual passam docentes e discentes no processo de reestruturação da vida cotidiana que a quarentena está exigindo, além de ignorar que aulas online exigem internet e equipamentos de qualidade, o que não é realidade para milhares de estudantes de origem popular, que hoje cursam as instituições públicas de educação.
“Na reconfiguração do dia a dia imposta pelo isolamento social, crianças e idosos ficam em casa, em regra, aos cuidados de familiares – em especial, das mulheres. Docentes, técnico(a)s-administrativo(a)s e estudantes estão envolvidos no cuidado de si e de pessoas próximas, com risco de adoecimento grave. Nessas condições, torna-se muito difícil trabalhar”, detalha o ANDES/UFRGS.
Ensino EAD requer planejamento e não pode ser generalizado
A Seção Sindical alerta que é preciso levar em consideração que não há transposição direta do ensino presencial para o ensino a distância, pois suas lógica e funcionamento são diferentes. “O ensino a distância requer outro planejamento, acompanhamento e avaliação. Um ensino a distância de qualidade não será planejado e construído nos 15 dias que o MEC concedeu às instituições para retorno sobre a adoção da flexibilização, por mais boa vontade que os e as docentes tenham”, argumenta a nota, incluindo que tal tarefa é descabida frente à grave situação que estamos vivendo em função da Covid-19.
A entidade também destaca que, apesar dos benefícios conquistados através das Tecnologias da Informação e da Comunicação para aproximar docentes e discentes, atividades presenciais são fundamentais para os processos formativos. “Além disso, há muitas atividades de ensino que pressupõem instalações, equipamentos e materiais adequados, atividades realizadas presencialmente em grupo, saídas a campo ou interações com instituições externas à universidade, que também têm seu funcionamento modificado ou suspenso”.
A Seção Sindical reforça que a categoria não deve ser constrangida a adentrar apressadamente e sem as condições necessárias nessa relação professor(a)/aluno(a), ainda mais em meio ao estresse e ao medo da pandemia mundial do coronavírus.
“Sabemos que temos alunos com condições absolutamente distintas, com suas singularidades específicas, e qualquer alternativa que possa provocar uma quebra forçada e não planejada na isonomia deve ser evitada”, enfatiza a entidade, frisando que a garantia de iguais condições e isonomia “não pode ser mais uma tarefa do(a) docente que migra para o EAD”.
A Diretoria do ANDES/UFRGS lembra ainda que o DCE da UFRGS, em nota assinada em conjunto com a APG e vários diretórios e centros acadêmicos, também solicita a revogação da Portaria 2286/2020/Gabinete do Reitor da UFRGS, que autoriza atividades EAD durante o período de 16/3/20 a 5/4/20.
Acrescenta, também, que os processos de contratação de monitores costumeiros de início de semestre estão congelados pela Reitoria, deixando estudantes sem bolsa e docentes e discentes sem auxílio. “Conforme retorno da própria Prograd (em 18/3) em consulta sobre a situação de contratação de novos monitores, ‘devido à suspensão das aulas, o cadastro de monitores também está suspenso, pois nenhum monitor poderá atuar, inclusive a distância, enquanto não houver aula´”.
Plano de longo prazo
A Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS pondera que, frente à pandemia do coronavírus, o governo federal vem colocando o mercado em primeiro lugar e a saúde da população em último, “coerente com a postura de toda sua gestão: atacando a autonomia das universidades, Institutos e Cefet; estrangulando os recursos; incentivando o ódio ao conhecimento e à ciência; e aprofundando o sucateamento do SUS, que cambaleia sem recursos, fruto da Emenda Constitucional do Teto dos Gastos (EC nº 95/2016)”.
Além disso, conforme trecho retirado do comunicado da Prograd, “é lícito considerar a hipótese de que estas informações [substituições das atividades presenciais por atividades a distância] poderão, no futuro (especialmente com a agudização da crise econômica que pode advir do momento em que vivemos), vir a compor elementos que nortearão a definição de políticas públicas de distribuição de tarefas docentes e de quantitativos de força de trabalho a serem disponibilizadas”.
Assim, na interpretação da Seção Sindical, “ao aceitarmos o EAD neste momento, estaremos abrindo caminho para a generalização do ensino a distância como principal modalidade de ensino. No contexto de propostas que fragilizam e colocam sob lógica privatista a educação pública, nominadamente as diversas versões do projeto Future-se, acatar o EaD neste momento irá repercutir no número de vagas docentes, na relação numérica professor-aluno e no banco de professor equivalente. Defendemos as TICs, neste momento, para nos mantermos com vínculo, em contato entre docentes e entre docentes e estudantes, incentivando a leitura e o estudo, mas não para substituição do ensino previsto como presencial, nos currículos de curso e nos planos de ensino, devidamente aprovados nas instâncias da Universidade”.
Comissões de Graduação
Muitas Comissões de Graduação já se posicionaram contra a conversão de atividades presenciais em EAD. É o caso, por exemplo, das Comgrads em Administração, Administração Pública, Biotecnologia, Desenvolvimento Regional (CLN), Educação do Campo (CLN), Educação Física, Engenharia de Serviços (CLN), Engenharia Elétrica, Engenharia Física, Geografia (Presencial/CLN), Pedagogia, Psicologia e Serviço Social. Em boletim próximo, serão divulgadas as decisões de outras Comgrads.
Docentes de todo país contestam a migração para EAD durante a pandemia
O Fórum das Seis, que reúne entidades de docentes e técnico-administrativos das universidades estaduais paulistas, questiona o “estado de exceção” instituído pelas administrações ao pressionarem os docentes para o ensino EAD: “Não há dúvida de que medidas emergenciais – e centralizadas – podem e devem ser tomadas quando se trata de cuidar da vida das pessoas de nossa comunidade e da comunidade externa. […] Porém, é necessário que órgãos colegiados e entidades representativas das Universidades sejam fortalecidos. Especialmente, que Conselhos Universitários e Congregações sejam protagonistas da resolução dos problemas que aparecerão ao longo da crise, ainda que para isso seja necessário o uso de ambientes virtuais para a tomada de decisão. Para a construção de planos de contingência, é necessário que todos os setores sejam partícipes. É preciso garantir espaço para o contraditório – com a participação de representantes de docentes, técnico-administrativos e estudantes que foram eleitos e eleitas para se posicionarem sobre estes assuntos.” Leia aqui a íntegra da nota.
A Reitoria da UFRJ, uma universidade fortemente engajada nas pesquisas sobre a Covid-19, decidiu não autorizar a migração de atividades presenciais para EAD, considerando, entre outros motivos, que “há uma parcela do corpo discente que não dispõe dos recursos tecnológicos necessários para acesso a conteúdos ministrados na modalidade EaD; Pessoas com Deficiência (PCDs) necessitam de recursos que ainda não podem ser oferecidos nessa modalidade; e a oferta de conteúdos na modalidade EaD exige planejamento para a uniformização da operacionalização em meios digitais”. Leia aqui a nota da Reitoria da UFRJ.
O Coletivo de Mulheres da Faculdade de Direito da UnB lembra que “O estabelecimento de atividades à distância, em regime domiciliar, sem uma preparação anterior e sob situação de pressão, especialmente psicológica, ensejada por uma ameaça à saúde coletiva que fragiliza todos e todas, torna praticamente impossível a consecução de seus objetivos, assumindo o risco de gerar outro tipo de violência.”