ANDES-SN e outras entidades entram na Justiça contra normas que proíbem contratação e inviabilizam Universidades e Institutos Federais

O ANDES-SN, juntamente com Fasubra e Sinasefe, protocolou na Justiça uma Ação Civil Pública contra medidas do Ministério da Educação (MEC) que suspenderam nomeações e contratações de docentes e técnicos-administrativos em educação.

A Ação, que pede tutela provisória de urgência, denuncia ilegalidade na Portaria nº 1.469, de 22 de agosto de 2019, e do Ofício-Circular nº 1/2020/CGRH/DIFES/SESU/SESU-MEC, de 08 de janeiro de 2020, que suspendem contratação de professores e técnicos em 2020. A medida atinge concursos encerrados cujos aprovados ainda não foram nomeados, assim como aqueles em andamento. Muitas universidades encerraram 2019 com alto volume de aposentadorias em função do aumento de pedidos gerados pela Reforma da Previdência, o que elevou ainda mais o déficit nos quadros de pessoal.

Afronta à autonomia universitária e ao direito à educação

O texto da Ação destaca que as medidas do governo constituem “afronta ao direito social fundamental à educação e à autonomia das Instituições Federais de Ensino”. Conforme o documento jurídico, não se pode conceber interferência direta do Executivo “na gestão administrativa, financeira e patrimonial de entidades autônomas, com as quais o ministério se relaciona por intermédio da vinculação, e não da subordinação”, mesmo que se considere a necessidade de atenção às questões orçamentárias para fins de admissão de pessoal.

“À medida que os atos administrativos normativos supracitados lesam interesse difuso e coletivo ao direito social à educação, bem como ao patrimônio material e imaterial das IFEs, faz-se imperiosa a atuação do Poder Judiciário a fim de restaurar a fiel observância ao ordenamento vigente”, solicita a Ação, destacando que as normas estão causando “danos ao interesse difuso à educação, ao interesse coletivo estrito no que se refere a cada corpo docente e discente afetado, e ao patrimônio público material e imaterial de cada IFE afetada”.

Os advogados Leandro Madureira Silva, José Luis Wagner e Claudio Santos, responsáveis pelo processo, também denunciam a existência de “um projeto político destinado a sucatear, desmoralizar e desqualificar o ambiente acadêmico”.

“Ao impedir que as IFEs realizem, minimamente, o provimento dos necessários ao desempenho das suas atividades finalísticas, é indubitável que a Portaria MEC nº 1.469/2019 e o Oficio-Circular SESU nº 01/2020 são incompatíveis com a noção de máxima efetividade à educação e, assim, de encontro aos princípios da continuidade do serviço público e da supremacia do interesse público”, concluem os assessores das três entidades representativas.

Conforme informações do portal UOL, no início de fevereiro, as universidades federais ainda aguardavam uma autorização por parte do MEC para dar continuidade aos processos de contratação de até 19,5 mil professores e técnicos nas instituições.

Prejuízos aos estudantes

A Ação Civil Pública lista dois casos de instituições já prejudicadas pelas novas regulamentações do governo. A Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, planejava prover, no início do ano, 207 cargos de docentes antes do início das aulas, agendado para 9 de fevereiro. Pretendia, ainda, contratar 355 servidores técnico-administrativos aprovados em concursos públicos nos últimos dois anos. “O não provimento de servidores tem o potencial de paralisar a própria prestação do serviço que é prestado pelas Instituições Federais de Ensino; os quais, importa frisar, englobam aulas práticas que culminam em assessoria médica, odontológica e jurídica gratuita à população carente, bem como inúmeros projetos de pesquisa e extensão com impacto direto sobre a sociedade”, alerta o documento.

Esse também é o cenário do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que atende cerca de 760 alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, e onde a falta de professores afeta proximamente 400 estudantes. Segundo a Diretora do CAP-UFRJ, 17 professores aguardam a assinatura dos contratos pelo MEC e outros nove ainda precisam ser efetivados. “Assim, enquanto a situação se mantém, há prejuízo ao ensino de disciplinas essenciais ao pleno desenvolvimento intelectual e cultural das crianças, que se preparam para o ingresso no ensino superior”.

Ofícios travam funcionamento das instituições

Além das duas normas denunciadas pela Ação Civil Pública de ANDES-SN, Fasubra e Sinasefe, o governo federal emitiu outros ofícios que tratam de dotação e execução orçamentária – especialmente das despesas com pessoal ativo e inativo. Assim como as que estão sendo contestadas judicialmente, as decisões ferem direitos de docentes e funcionários(as), atingem diretamente as atividades de ensino e pesquisa e travam o funcionamento de Instituições Federais de Ensino.

É o caso, por exemplo, dos Ofícios Circulares nº 8/2020/GAB/SPO/SPO-MEC e nº 40/2020/CGRH/DIFES/SESU/SESU-MEC, que interferem inclusive sobre benefícios e encargos de servidores e empregados públicos e limitam provimento de cargos autorizados no Banco de Professor Equivalente e no Quadro de Referência de Servidores Técnico-Administrativos em Educação em função da LOA (Lei Orçamentária Anual). Para justificar as medidas, o MEC alega que a votação da LOA no Congresso reduziu em R$ 2,7 bilhões o total previsto para as universidades públicas brasileiras: dos R$ 74,6 bilhões previstos, a dotação inicial ficou em R$ 71,9 bilhões. Mas os maiores cortes foram iniciativa do governo federal. Em relação ao orçamento de 2019, a LOA de 2020 reduz em 15% as verbas para as universidades federais, e ainda condiciona 40% da dotação para cada instituição à avaliação da capacidade orçamentária pelo Congresso.

Universidades reagem

Reitorias de todo o país estão reagindo, visto que, se seguirem as resoluções, não poderão, por exemplo, pagar gratificações a professores que obtenham um novo título acadêmico, como o de doutorado. Também ficarão impedidas de substituir um docente que se afaste por motivos médicos e de contratar professor substituto nos casos de aposentadoria ou licença.

Algumas instituições, como a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e o Instituto Federal de São Paulo (IFSP), informaram que vão interromper por tempo indeterminado o pagamento de adicional noturno, horas extras, substituição de chefias, promoções, retribuição por titulação, entre outros. A decisão foi criticada pelas entidades representativas docentes, que emitiram nota coletiva de repúdio.

A Universidade Federal do Pampa (Unipampa) suspendeu os processos de nomeação de professores efetivos e substitutos e de técnicos efetivos. Conforme a instituição, mencionada em reportagem do jornal Zero Hora, a deliberação do MEC pode afetar a nomeação imediata de professores e técnicos aprovados em concursos, mas o prazo de concurso permite aguardar os desdobramentos.

A lei é soberana, argumentam os reitores

Além do impacto que esses ofícios podem gerar no funcionamento das atividades, uma vez que correm o risco de precisar interromper serviços e ficar sem professores, as universidades dizem que não podem suspender pagamentos porque são direitos garantidos.  Considerando a ilegalidade decorrente das medidas que o MEC tenta impor, os reitores solicitaram audiência com o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro, para pedir orientações – realizada na segunda-feira (17).

“Seguimos leis que preveem as progressões de carreira, aposentadorias, direitos de hora extra, adicional de insalubridade. Não é uma decisão do reitor pagar ou não pagar. A folha de pagamentos sempre teve a sua gestão sob responsabilidade do Ministério do Planejamento e, agora com a restrição orçamentária, repassam para as universidades como se fosse uma decisão”, explica Franklin Matos, coordenador do Fórum de Pró-reitores de Planejamento e Administração (Forplad), citado pelo portal Exame.

É o que pretende fazer a UFRGS, que, em nota oficial, informou que as rotinas relativas à administração de pessoal prosseguem normalmente e que, conforme as orientações discutidas no Conselho Pleno da Andifes, em 12 de fevereiro, está realizando levantamentos internos e consultando a Procuradoria para compor um quadro dos possíveis impactos administrativos e legais do teor dos ofícios na Universidade.

A Universidade Federal da Bahia (UFBA) também decidiu manter a previsão de novos professores substitutos neste primeiro semestre de 2020, encaminhando a contratação de cerca de 135 docentes para evitar o fechamento de 1.021 turmas dos cursos de graduação.

Na avaliação de João Carlos Salles, reitor da instituição, a decisão não representa uma desobediência ao ministério, pois os docentes foram aprovados em concursos realizados no ano passado, e a realização desses certames já havia sido informada ao MEC. “Se você tem um banco de professores e alguém se aposenta, você tem o direito de fazer um concurso para substituição. A cada ano, é preciso informar as previsões de concurso e coisas do tipo”, diz Salles. “Tudo isso foi informado no ano passado e os concursos foram feitos”.

Em nota oficial, a reitoria da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) também assinalou que as contratações e demais atos inerentes à progressão funcional decorrem de previsão legal e que somente mudanças na legislação vigente poderão importar em perda ou suspensão desses direitos. “O pagamento da folha de pessoal é responsabilidade do Ministério da Economia e seu descumprimento importará, dentre outros, violação à Lei da Responsabilidade Fiscal”, destaca o texto.

Diante disso, a UFSM informou que seguirá com as nomeações previstas, dando sequência ao calendário letivo e às atividades planejadas para este ano, bem como também manterá os benefícios e concessões aos servidores, conforme previsão legal.

“O reitor vai ter que escolher qual lei vai cumprir, ou cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal, citada no ofício, ou cumpre a Lei da Carreira”, ponderou o reitor Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), citado pelo Sul21. “Se o servidor cumpre todos os requisitos para progredir eu não tenho como impedi-lo. É um ofício confuso que não foi dialogado conosco antes do seu envio. O que posso garantir é que o conteúdo desse ofício é avassalador. Se for exigida das universidades a interpretação literal desse ofício, elas entrarão num caos total porque teríamos que escolher qual irregularidade cometer, não a partir daqui um mês, mas a partir de amanhã. Todos os dias terei que escolher qual irregularidade vou cometer”, alertou.

No TCU, a Andifes foi orientada a formular uma representação listando, por exemplo, as contradições legais e as implicações derivadas das normas. Conforme a Associação, o material está sendo formulado e também será encaminhado aos Poderes Executivo e Legislativo.