Ignorando os argumentos de docentes, estudantes, entidades representativas e da sociedade como um todo, o governo Bolsonaro encaminhou, na quarta-feira (27), o projeto Future-se à Câmara dos Deputados. Com todas as dificuldades que o País enfrenta, em decorrência da pandemia da Covid-19, da crise institucional envolvendo o poder executivo nacional, e da suspensão das atividades presenciais nas instituições de ensino, o momento não poderia ser pior.
Em função da resistência por parte de comunidades acadêmicas, parlamentares, movimentos sindicais e sindicais, o texto vem sendo alterado sistematicamente pelo Ministério da Educação (MEC) desde o ano passado. No entanto, a versão enviada para o Congresso não foi ainda divulgada pelo Executivo, sendo apenas publicado o despacho no Diário Oficial da União (DOU). As IFEs foram pegas de surpresa com a retomada repentina do Future-se, que acontece em plena pandemia de Covid-19, na qual, além de milhares de mortes, desemprego acentuado, a situação é de incertezas generalizadas. Deve ser registrado que as IFEs têm desempenhado papel fundamental no combate ao vírus e em ações de solidariedade, mesmo com as atividades presenciais suspensas há mais de 60 dias.
No ano passado, Conselhos Universitários de mais de 30 universidades, inclusive da UFRGS, se manifestaram contra o programa Future-se, que prevê a inserção de Organizações Sociais na gestão das instituições de ensino, desresponsabilizando, assim, o Estado de investir na educação pública.
Contra o Future-se, o ANDES-SN vem realizando atos e campanhas para contextualizar os riscos do programa. Veja aqui material explicativo da entidade com 20 motivos que apontam os perigos do Future-se.
Oportunismo
Para o presidente do ANDES-SN, Antônio Gonçalves, o novo envio do projeto ao Congresso representa mais uma tentativa do governo de extrema-direita de avançar na pauta neoliberal. “Não tivemos acesso ao texto que foi enviado ao Congresso Nacional. Por isso, não temos como fazer uma análise do conteúdo, que vem se transformando ao longo do tempo”, explica o docente, frisando que se trata de um momento inoportuno para a tramitação. “Estamos em plena pandemia e, devido à restrição do rito no Congresso Nacional, deveriam tramitar projetos que venham minorar as consequências da pandemia para a classe trabalhadora”, avalia.
Contatada pelo Sindicato Nacional, a assessoria do MEC informou não possuir acesso ao conteúdo enviado ao Congresso, pois o despacho teria sido feito diretamente pela Casa Civil.
“[…] Estamos atentos e atentas, vamos nos debruçar sobre o texto final e dar continuidade a nossa luta por um projeto de educação a serviço da classe trabalhadora”, acrescenta o presidente do Sindicato Nacional.
Mercantilização da Educação
O argumento do governo Bolsonaro para sustentar a defesa do Future-se é de que aumentaria a autonomia das universidades e sua possibilidade de captar recursos próprios. Contudo, na visão do ANDES-SN, da CSP-Conlutas e de muitas organizações sindicais e estudantis, é exatamente o contrário: a partir do momento em que a universidade se coloca como dependente de recursos privados, a função social de sua pesquisa é penalizada.
Gonçalves acrescenta que o envio coincide com as críticas destinadas ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, e a pressão por sua demissão. “Talvez, seja uma tentativa de salvar o cargo apresentando uma política de privatização das instituições de ensino superior públicas que vai ao encontro da pauta neoliberal. A cabeça do ministro está sendo pedida por diversos setores ligados ao Capital”, afirma o docente.
Idealizador do projeto, lançado em julho de 2019, Weintraub chegou a, como forma de chantagem, contingenciar recursos das instituições federais de ensino para forçar a adesão ao programa.
Repúdio de entidades estudantis
Entidades estudantis também criticaram a atitude do governo federal. “Inacreditável. No meio da maior crise sanitária que o mundo viveu, com mais de 20 mil mortes no Brasil, as universidades com aulas suspensas e uma série de dificuldades, o MEC resolve encaminhar o projeto do Future-se para a Câmara. Que inversão de prioridades absurda”, escreveu o presidente da UNE, Iago Montalvão.
A historiadora Flávia Calé, presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), chamou a medida de “mais uma investida contra as universidades federais”. “Derrotamos o projeto nos conselhos universitários, agora, derrotaremos no parlamento!”, escreveu no Twitter.
Também, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) recriminou o envio silencioso do projeto ao Congresso. “Isso é inadmissível e totalmente inadequado ao momento em que vivemos!”, postou na mesma rede social.