O ano letivo mais atípico das últimas décadas vai entrar para a história, mas não apenas pela suspensão das aulas presenciais. Na Educação, o que se viu foi ainda mais precarização, ataques e descaso, evidenciados em cortes de recursos, aumento da desigualdade e autoritarismo. Se não bastassem o medo e as incertezas relacionadas à pandemia de Covid-19, em 2020 o Brasil, de forma geral, sobreviveu a um governo completamente alheio às necessidades do povo, priorizando, mais uma vez, o capital.
Precarização
Nem a incansável atuação das e dos pesquisadoras e das Universidades no combate ao novo coronavírus convenceu o Executivo a valorizar o ensino público. A falta de verbas, que passou a imperar com a EC 95/2016, do teto de gastos, ficou ainda mais grave neste ano, com corte de R$19,8 bilhões na Educação – dos quais R$ 7,3 bilhões atingiram estritamente as universidades federais. Além disso, até setembro, o MEC só tinha executado 48% do orçamento previsto para o ano todo.
Até programas para facilitar o acesso de estudantes e docentes ao ensino remoto durante a pandemia ficaram sem repasses: segundo o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), o Educação Conectada, que tem por objetivo levar internet e computadores às escolas, havia gastado, até junho, zero dos R$ 197,4 milhões de seu orçamento.
Autonomia em xeque
Para universidades e Institutos Federais, desrespeito foi a palavra do ano, simbolizado escancaradamente pela institucionalização das intervenções em nomeações de reitores e reitoras – conduta que remonta aos tempos do regime militar.
A UFRGS foi uma das cerca de 20 IFEs a sofrerem intervenção, com a posse, em setembro, de Carlos André Bulhões – terceiro colocado na lista tríplice. “Ao não nomear e empossar reitoras e reitores escolhido(a)s pela maioria dentro das suas comunidades, o governo materializa suas intenções. Intervém política e ideologicamente nas instituições públicas de ensino com o objetivo de instrumentalizar Universidades, Institutos Federais e CEFET a serviço de um projeto de educação elitista, que atenda aos interesses do mercado, que despreza a ciência e, principalmente, desconsidera o desejo das comunidades escolares acabando com a autonomia e a democracia interna das instituições públicas”, alerta manifesto assinado pelo ANDES-SN, juntamente com Sinasefe, Fasubra, Ubes, Fenet, UNE e ANPG em dezembro, durante plenária nacional da Educação.
Os bons ventos da luta pela garantia da autonomia universitária vêm das mobilizações como a da comunidade da UFFS, que culminou com a entrega de carta do Conselho Universitário à Presidência da República que exige a destituição de Marcelo Recktenvald, que foi nomeado Reitor por Jair Bolsonaro, mesmo sem ter sido escolhido pela comunidade acadêmica. Também do IFRN, que através de uma ação judicial do Sinasefe, garantiu a nomeação do Reitor eleito pela comunidade acadêmica.
Remote-se quem puder
A ausência de diretrizes claras a respeito do ensino remoto, autorizado em março pelo Ministério da Educação como substituição às aulas presenciais, foi mais um fator de desestabilização para a categoria docente.
Na UFRGS, as atividades virtuais começaram em 19 de agosto, menos de 20 dias depois da implementação do sistema emergencial, obrigando professores e professoras a adaptarem às pressas não apenas os planos de ensino, como rotinas privadas e espaço físico residencial às aulas virtuais, sem treinamento adequado ou tempo hábil de planejamento.
A evasão e as falhas do formato, que prejudicam especialmente os estudantes em condições socioeconômicas desfavoráveis, também impactaram nos processos pedagógicos, na carga horária e na saúde mental do(a)s educadores (as).
“Nunca houve isonomia entre os estudantes (ou mesmo entre docentes e técnicos), e o ambiente universitário reflete essa realidade social. Mas a pandemia transferiu o ambiente acadêmico, a sala de aula, a biblioteca, os laboratórios de ensino e informática, formalmente acessíveis a todos em tempos normais, para a casa onde cada um vive, com toda a disparidade de condições que isso acarreta”, pontua o professor Basilio Santiago, do Departamento de Astronomia.
“Os professores estão com os nervos à flor da pele, sobrecarregados, ainda mais com a chegada da segunda onda da Covid-19. Entendo que os alunos tenham problemas de acesso, mas os professores também têm”, acrescenta Geraldo Luís Soares, Chefe do Departamento de Botânica.
Incertezas sanitárias
As aulas presenciais foram suspensas em todo o território nacional em março, e em julho o MEC começou a divulgar suas diretrizes para o retorno, contrariando exemplos mal sucedidos de outros países que também ainda estavam com elevada taxa de contaminação, sob protesto de diversas entidades docentes, estudantis e da sociedade em geral.
Em dezembro, em meio ao caos sanitário do que tem sido chamado de segunda onda, quando o país amarga mais de 190 mil mortes, o governo federal anunciou que o sistema federal de ensino superior deve retornar às atividades presenciais em 1º de março de 2021. O pretenso plano de vacinação contra covid-19 não aponta data de vacinação até essa data.
A Portaria 1038/2020 foi publicada depois de uma sequência de informações desencontradas a respeito do cronograma de aulas presenciais, que envolveu o anúncio e o recuo sobre o retorno em janeiro, e a homologação, dias depois, de uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) que autoriza o ensino remoto até 31 de dezembro de 2021.
Insegurança política
Os tropeços do governo Bolsonaro na Educação poderiam ser cômicos se não fossem aterrorizantes. A saída de Abraham Weintraub em junho, envolvido em escândalos como violação do princípio de impessoalidade na correção do Enem e difamação e injúria contra os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), não se resolveu com a chegada de Carlos Alberto Decotelli e seu currículo falsificado, muito menos com a posse do pastor Milton Ribeiro, que até agora não apresentou qualquer solução à crise na Educação e está sob investigação por possível crime de homofobia.
Em outubro, em mais uma manifestação de sua política preconceituosa, o governo chegou a publicar a nova Política Nacional de Educação Especial, que segregava crianças portadoras de deficiência. No entanto, depois de muita polêmica e crítica de entidades e especialistas, o decreto foi suspenso em dezembro pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Políticas privatistas
O interesse de privatizar a Educação pública nunca foi segredo de Bolsonaro, sendo o Future-se uma tentativa de oficializar essa política nas universidades.
Em janeiro deste ano, foi lançada a terceira versão do projeto, que já foi rejeitado por Conselhos Universitários de 30 Instituições Federais de Ensino Superior. Transformado no PL 3076/2020, considerado inconstitucional pela Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN, foi encaminhado à Câmara em junho.
Na Educação Básica, a intenção de entregar recursos do Fundeb para a iniciativa privada acabou derrubada pelo Senado após grande pressão da sociedade e de entidades, que mobilizaram esforços para barrar as emendas da Câmara dos Deputados – entre elas o ANDES-SN. Com isso, o Congresso aprovou a regulamentação sem os trechos que podiam retirar cerca de R$ 16 bilhões da rede pública.
Alvo nos servidores
Na sequência da Reforma da Previdência, a Educação foi fortemente atacada com medidas administrativas que despejam tendenciosamente nos servidores a culpa pela falta de recursos nos cofres públicos e ameaçam a manutenção de serviços essenciais à população.
A Instrução Normativa nº28, que corta salários em plena pandemia, e o projeto de Reforma Administrativa, que, juntamente com a PEC Emergencial, pretendem acabar com concursos e reduzir salários em até 25%, estão entre os principais abusos aos direitos dos trabalhadores no ano de 2020.
“Assim como já aconteceu na Reforma Previdenciária, as poucas ilhas de reais privilégios que existem na administração pública seguem intocadas, como poder judiciário e legislativo e as carreiras militares (as que de fato tinham desequilíbrios atuariais na previdência). Significa que é mais uma contrarreforma feita ‘por cima’, com base em grandes acordos entre elites públicas e privadas que querem (e conseguem) se apropriar do Estado para sempre aprofundar ganhos e privilégios”, analisa o professor de Administração Pública e Social da Escola de Administração (EA) da UFRGS Pedro de Almeida Costa.
Por esses e tantos outros motivos, seguimos na luta em 2021, que começa com rodada de assembleias para deliberar sobre a greve sanitária na Educação caso o governo insista no retorno presencial antes de condições seguras para docentes, estudantes e técnicos.
Desejamos a todas e todos um ano novo de força e esperança, com a certeza de que a educação é prioridade para o país e assim deve ser tratada.